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Como a desinformação sobre apoio do Brasil ao Irã se intensificou com início do conflito e viralizou na internet

Publicações falsas exploram tensões políticas e emocionais para manipular a opinião pública nas redes; confira detalhes da investigação

Por Projeto Comprova Publicado em 02/07/2025 às 18:55

Campanhas de desinformação surgiram e foram disseminadas nas redes sociais depois do início do conflito entre Irã e Israel.

Perfis e até figuras públicas produziram e compartilharam conteúdos sobre um suposto apoio bélico do Brasil ao Irã descontextualizando falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e criando afirmações inexistentes.

Os desinformadores aproveitaram ainda imagens antigas de Lula com o líder do Irã, Ali Khamenei, para dar credibilidade às publicações e sugerir proximidade entre os governantes.

As peças de desinformação começaram a circular logo no início do conflito, em 13 de junho. Um dos posts verificados pelo Comprova, por exemplo, foi publicado no X na mesma data.

O conteúdo inventava que o governo brasileiro teria fornecido urânio para o Irã e exportado o metal para fins bélicos, o que não é verdade.

Diversos perfis compartilharam publicações com teor semelhante, ajudando a disseminar a mentira.

O post verificado pelo Comprova, que continua disponível na plataforma, foi visualizado 37,3 mil vezes até 1º de julho, e há outros conteúdos, como uma postagem no Instagram com mais de 220 mil visualizações, que reproduzem a mesma falsidade.

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Campanhas de desinformação surgiram nas redes sociais - Projeto Comprova

O boato teve outros desdobramentos. Posts alegaram falsamente que Israel confirmou o envio do urânio brasileiro, descontextualizando uma fala do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em que ele afirmava que Lula deveria ter “vergonha”.

A declaração, no entanto, aconteceu em 2024, após o petista comparar as ações de Israel em Gaza ao holocausto judeu na Segunda Guerra.

As publicações sobre urânio ganharam tração ao serem compartilhadas por figuras públicas, como o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Após agências de checagem desmentirem postagens sobre o fornecimento de urânio, o parlamentar passou a fazer alegações sobre o assunto com uma nova roupagem.

Em vídeo, ele cita o desaparecimento de duas ampolas do metal em uma usina de Resende (RJ), detectado em julho de 2023, e o atracamento de barcos iranianos no Brasil, em fevereiro de 2023, dois casos que aparecem na verificação do Comprova e de cuja relação não há evidências.

Logo depois da mentira sobre o urânio, outros boatos se disseminaram.

Três dias depois, em 16 de junho, desinformadores espalharam a mentira de que Lula poderia enviar militares brasileiros para lutar pelo Irã – o conteúdo também foi checado pelo Comprova.

As técnicas usadas pelos desinformadores variam.

Alguns posts sobre urânio, por exemplo, utilizam capturas de tela de títulos de veículos como o G1.

Já o post sobre Lula enviar militares é narrado por uma voz gerada por inteligência artificial, como mostrou o Comprova.

Em comum, ambos os posts usam linguagem emocional e alarmismo.

Trechos como “Lula ladrão”, “traição silenciosa” e a insinuação de que “a esquerda vai fingir que não aconteceu” aparecem no conteúdo sobre urânio.

O do envio de militares segue a mesma linha, usando trechos como “nossos jovens irão lutar”, “crise sem precedentes” e “o clima esquentou em Brasília”.

Outro ponto em comum de posts falando sobre urânio e sobre Lula apoiar o Irã é que são publicados por perfis bolsonaristas, que exaltam pautas da direita e que, em geral, defendem políticas dos Estados Unidos e apoiam Israel.

Sobre isso, André Pase, professor da Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diz ser uma forma de a direita se fortalecer, fazendo com que apoiadores tenham raiva – ou mais raiva – de Lula.

“É uma pequenina peça no tabuleiro eleitoral, jogada em um momento sem urnas.”

Para Beto Vasques, professor de Comunicação Política da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e diretor de Relações Institucionais do Instituto Democracia em Xeque, os posts inventando que Lula estaria dando apoio bélico ao Irã seguem o alinhamento da direita com Israel e o fato de que, “hoje em dia, tudo vira motivo de polarização”.

“Acontecesse o que fosse, Bolsonaro apoiaria Israel. E Lula tem uma posição já muito firme contra o Netanyahu, que disse que ele é uma persona non grata. Então, há uma relação muito fácil para esse alinhamento”, afirma.

Além de serem perfis bolsonaristas e usarem linguagem de alarmismo, os perfis que disseminam desinformação usam técnicas semelhantes.

Entre as principais, Pase cita estratégias visuais, como conteúdos tentando imitar veículos de imprensa e imagens montadas para chamar a atenção, quase como uma lógica de meme, acompanhadas de um texto mentiroso.

Ele menciona ainda a informação verdadeira tirada de contexto.

“Essa foi uma das que apareceu muito agora, trazendo um discurso antigo do presidente e mostrando como se fosse atual. É complicado, porque deixa o público com o pensamento ‘se foi assim no passado, e agora?’”, afirma Pase.

Outra característica em comum dos perfis é que costumam publicar informações sem citar a fonte.

“As pessoas não estão buscando mais a verdade. Numa dinâmica onde a política é levada para o campo dos afetos, do nós contra eles, o que as pessoas querem é a validação. As evidências de que houve ou não venda de urânio pouco importam”, diz Vasques.

Fontes que consultamos

André Pase, da PUCRS, e Beto Vasques, da FESPSP, e reportagens de veículos como Folha, Estadão, Globo, CNN e verificações sobre Irã e Lula.

Por que o Comprova investigou essa publicação?

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.

Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema

Como afirmado acima, o Comprova já verificou que Lula não fez declarações públicas sobre apoiar o Irã na guerra e que o Brasil não forneceu urânio ao país asiático, nem exporta o metal para fins bélicos.

A checagem foi publicada em 02 de julho de 2025 pelo Comprova — coalizão formada por 42 veículos de comunicação que verifica conteúdos virais.

A investigação foi conduzida por Folha de S. Paulo e Correio Braziliense, e o conteúdo também passou por verificação de Jornal do Commercio, Estadão, UOL e NSC Comunicação.

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