Como a desinformação sobre apoio do Brasil ao Irã se intensificou com início do conflito e viralizou na internet
Publicações falsas exploram tensões políticas e emocionais para manipular a opinião pública nas redes; confira detalhes da investigação

Campanhas de desinformação surgiram e foram disseminadas nas redes sociais depois do início do conflito entre Irã e Israel.
Perfis e até figuras públicas produziram e compartilharam conteúdos sobre um suposto apoio bélico do Brasil ao Irã descontextualizando falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e criando afirmações inexistentes.
Os desinformadores aproveitaram ainda imagens antigas de Lula com o líder do Irã, Ali Khamenei, para dar credibilidade às publicações e sugerir proximidade entre os governantes.
As peças de desinformação começaram a circular logo no início do conflito, em 13 de junho. Um dos posts verificados pelo Comprova, por exemplo, foi publicado no X na mesma data.
O conteúdo inventava que o governo brasileiro teria fornecido urânio para o Irã e exportado o metal para fins bélicos, o que não é verdade.
Diversos perfis compartilharam publicações com teor semelhante, ajudando a disseminar a mentira.
O post verificado pelo Comprova, que continua disponível na plataforma, foi visualizado 37,3 mil vezes até 1º de julho, e há outros conteúdos, como uma postagem no Instagram com mais de 220 mil visualizações, que reproduzem a mesma falsidade.
O boato teve outros desdobramentos. Posts alegaram falsamente que Israel confirmou o envio do urânio brasileiro, descontextualizando uma fala do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em que ele afirmava que Lula deveria ter “vergonha”.
A declaração, no entanto, aconteceu em 2024, após o petista comparar as ações de Israel em Gaza ao holocausto judeu na Segunda Guerra.
As publicações sobre urânio ganharam tração ao serem compartilhadas por figuras públicas, como o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Após agências de checagem desmentirem postagens sobre o fornecimento de urânio, o parlamentar passou a fazer alegações sobre o assunto com uma nova roupagem.
Em vídeo, ele cita o desaparecimento de duas ampolas do metal em uma usina de Resende (RJ), detectado em julho de 2023, e o atracamento de barcos iranianos no Brasil, em fevereiro de 2023, dois casos que aparecem na verificação do Comprova e de cuja relação não há evidências.
Logo depois da mentira sobre o urânio, outros boatos se disseminaram.
Três dias depois, em 16 de junho, desinformadores espalharam a mentira de que Lula poderia enviar militares brasileiros para lutar pelo Irã – o conteúdo também foi checado pelo Comprova.
As técnicas usadas pelos desinformadores variam.
Alguns posts sobre urânio, por exemplo, utilizam capturas de tela de títulos de veículos como o G1.
Já o post sobre Lula enviar militares é narrado por uma voz gerada por inteligência artificial, como mostrou o Comprova.
Em comum, ambos os posts usam linguagem emocional e alarmismo.
Trechos como “Lula ladrão”, “traição silenciosa” e a insinuação de que “a esquerda vai fingir que não aconteceu” aparecem no conteúdo sobre urânio.
O do envio de militares segue a mesma linha, usando trechos como “nossos jovens irão lutar”, “crise sem precedentes” e “o clima esquentou em Brasília”.
Outro ponto em comum de posts falando sobre urânio e sobre Lula apoiar o Irã é que são publicados por perfis bolsonaristas, que exaltam pautas da direita e que, em geral, defendem políticas dos Estados Unidos e apoiam Israel.
Sobre isso, André Pase, professor da Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diz ser uma forma de a direita se fortalecer, fazendo com que apoiadores tenham raiva – ou mais raiva – de Lula.
“É uma pequenina peça no tabuleiro eleitoral, jogada em um momento sem urnas.”
Para Beto Vasques, professor de Comunicação Política da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e diretor de Relações Institucionais do Instituto Democracia em Xeque, os posts inventando que Lula estaria dando apoio bélico ao Irã seguem o alinhamento da direita com Israel e o fato de que, “hoje em dia, tudo vira motivo de polarização”.
“Acontecesse o que fosse, Bolsonaro apoiaria Israel. E Lula tem uma posição já muito firme contra o Netanyahu, que disse que ele é uma persona non grata. Então, há uma relação muito fácil para esse alinhamento”, afirma.
Além de serem perfis bolsonaristas e usarem linguagem de alarmismo, os perfis que disseminam desinformação usam técnicas semelhantes.
Entre as principais, Pase cita estratégias visuais, como conteúdos tentando imitar veículos de imprensa e imagens montadas para chamar a atenção, quase como uma lógica de meme, acompanhadas de um texto mentiroso.
Ele menciona ainda a informação verdadeira tirada de contexto.
“Essa foi uma das que apareceu muito agora, trazendo um discurso antigo do presidente e mostrando como se fosse atual. É complicado, porque deixa o público com o pensamento ‘se foi assim no passado, e agora?’”, afirma Pase.
Outra característica em comum dos perfis é que costumam publicar informações sem citar a fonte.
“As pessoas não estão buscando mais a verdade. Numa dinâmica onde a política é levada para o campo dos afetos, do nós contra eles, o que as pessoas querem é a validação. As evidências de que houve ou não venda de urânio pouco importam”, diz Vasques.
Fontes que consultamos
André Pase, da PUCRS, e Beto Vasques, da FESPSP, e reportagens de veículos como Folha, Estadão, Globo, CNN e verificações sobre Irã e Lula.
Por que o Comprova investigou essa publicação?
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.
Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema
Como afirmado acima, o Comprova já verificou que Lula não fez declarações públicas sobre apoiar o Irã na guerra e que o Brasil não forneceu urânio ao país asiático, nem exporta o metal para fins bélicos.
A checagem foi publicada em 02 de julho de 2025 pelo Comprova — coalizão formada por 42 veículos de comunicação que verifica conteúdos virais.
A investigação foi conduzida por Folha de S. Paulo e Correio Braziliense, e o conteúdo também passou por verificação de Jornal do Commercio, Estadão, UOL e NSC Comunicação.
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