ProArmas: bancada armamentista usa problemas sociais paralelos para pautar agenda no Congresso
Problemas sociais ganham contorno estratégico enquanto grupo pró-armas impulsiona projetos que ampliam o porte e a posse no Congresso

A discussão sobre o armamento civil ganhou destaque no Congresso Nacional nos últimos anos, especialmente após a assunção de Jair Bolsonaro (PL) à presidência da República e o aumento no número de parlamentares que integram a chamada “bancada da bala”, conhecida por defender a ampliação do acesso civil a armas de fogo.
Este movimento ganhou novos contornos em 2020 com a criação do ProArmas, associação que defende a expansão do armamento civil, inspirada no modelo da americana National Rifle Association, uma das maiores lobistas do setor de armas do mundo.
Em 2022, o ProArmas foi responsável por financiar a campanha de 23 congressistas eleitos no Brasil, sendo 16 deputados federais (15 efetivos e um suplente) e 7 senadores, que ficaram conhecidos como a “bancada dos CACs”, em referência à sigla usada para designar os Colecionadores, Atiradores e Caçadores. Ao todo, o grupo recebeu 18,6 milhões de votos.
Mas ao contrário do que se esperava desses deputados e senadores, a maioria das pautas apresentadas por eles na Câmara não estão exclusivamente ligadas à liberação de armas e munições. A estratégia adotada pelos parlamentares para chegar a assuntos de interesse próprio é usar pautas paralelas, especialmente as que mobilizam movimentos sociais.
Um estudo realizado pelo Instituto Fogo Cruzado mostrou que o tema mais recorrente entre as propostas do grupo foi o endurecimento penal, com foco em aumento de penas e redução de garantias.
Outros projetos apresentados pelos congressistas instrumentalizavam problemas sociais complexos, como violência doméstica contra mulheres e a insegurança no ambiente escolar para justificar a flexibilização do acesso ao armamento.
Para chegar a este resultado, foram analisados todos os 739 Projetos de Lei apresentados pelos 23 congressistas financiados pelo ProArmas entre os anos de 2023 e 2024. Deste total, somente 52 PLs (7%) tratam diretamente do tema “Armas e munições”.
A pesquisa também mostrou que os parlamentares do grupo são recordistas em apresentação de pautas, mas que registram baixa efetividade no avanço das matérias.
Armas e munições em segundo plano
Os assuntos contidos nos projetos de lei foram categorizados em 27 temas distintos, que possibilitaram identificar quais são as áreas prioritárias para estes parlamentares. Essa divisão também permitiu entender como a questão das armas se insere em um contexto mais amplo de atuação legislativa.
Os parlamentares apresentaram, juntos, 78 projetos relacionados à Segurança Pública e 73 ao Código Penal. As Armas e Munições foram somente o terceiro assunto pautado pelos parlamentares vinculados ao ProArmas.
Dos 52 Projetos de Lei ligados diretamente ao mote armamentista, há projetos que dialogam com diferentes categorias temáticas para trabalhar o tema. Há matérias que concedem, por exemplo, isenção fiscal para mulheres vítimas de violência adquirirem armas.
Também há textos que autorizam o porte de armas para professores e funcionários de escolas, além da obrigatoriedade de segurança armada em instituições de ensino.
Ou seja, essas propostas legislativas apostam no armamento individual como solução para questões que demandam abordagens multidisciplinares e preventivas, contornando o debate sobre políticas públicas estruturais de prevenção à violência.
Outras pautas sociais na mira
Além de pautas diretamente ligadas a violência, o grupo também propôs vetar conteúdos pedagógicos sobre gênero, proibir eventos LGBTQIA+ e aumentar o período de internação para adolescentes infratores, assuntos que despertam discussões sobre restrições a direitos fundamentais.
Dentro da temática de “Segurança Pública”, o subtema “Forças de Segurança” (36 PLs) e Violência nas Escolas” (10 PLs) apareceram entre os mais recorrentes. Já no grupo de projetos que trata do Código Penal, o endurecimento de pena foi o mais evidente, aparecendo em 53 dos 73 PLs desta categoria. Veja o ranking:
- Segurança Pública (78 PLs)
- Código Penal (73 PLs)
- Armas e munições (52 PLs)
- Infância e adolescência (46 PLs)
- Direitos fundamentais e cidadania (45 PLs)
A criminalização de discussões sobre identidade de gênero também aparece entre as mais presentes, com textos que propõem proibir tratamentos médicos para jovens transgêneros e a proibição da participação de menores em eventos LGBTQIA+.
O estudo apontou que os projetos apresentam textos imprecisos como “erotização infantil” e “sexualização precoce” para justificar intervenções em políticas educacionais e culturais, estabelecendo controle sobre conteúdos artísticos e pedagógicos.
Discursos dessa natureza, em sua maioria ligados a ideologias religiosas, são utilizados à exaustão pela bancada da extrema-direita — alinhada com a liberação armamentista —, e com frequência alimentam as redes sociais desses parlamentares, inflando os seguidores e apoiadores sobre essas temáticas.
“Em vez de fortalecer redes de proteção ou ampliar direitos sociais, estas iniciativas legislativas concentram-se em medidas punitivas, restringindo a autonomia de profissionais da saúde e educação, redirecionando o poder decisório para os pais ou responsáveis em questões sensíveis de desenvolvimento e identidade”, avalia Terine Coelho, gerente de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado e uma das autoras do estudo.
Instrumentalização das pautas
O Instituto Fogo Cruzado aponta que, embora o tema “Armas e Munições” não seja o principal em termos quantitativos, a atuação do ProArmas no Congresso, ao diversificar as pautas e apontar a atuação para outras questões sociais, funciona como elemento aglutinador de assuntos como segurança, cidadania e o papel do Estado.
O que o estudo afirma é que, muitas vezes, as proposições desses congressistas têm função mais discursiva do que efetivamente legislativa.
Ou seja, a apresentação das pautas teria o objetivo maior de mobilizar as bases do que efetivamente serem levadas à frente no Congresso. “Na prática, são parlamentares que atuam mais para fora do que para dentro do parlamento, apesar da alta produtividade de PLs", analisou Terine Coelho.
Caçadores, Atiradores e Colecionadores
Durante o governo de Jair Bolsonaro, os CACs passaram por uma explosão numérica e regulatória. A partir de 2019, uma série de decretos presidenciais flexibilizou drasticamente as exigências para aquisição e porte de armas por civis enquadrados nessa categoria.
Em janeiro daquele ano, Bolsonaro assinou decretos que contribuíram para o aumento do número de armas registradas e a facilidade para que CACs acumulassem grandes arsenais legalizados. Em alguns casos, um único indivíduo podia adquirir dezenas de fuzis e milhares de munições por ano.
Com a posse de Lula, em janeiro de 2023, a política armamentista sofreu uma inflexão imediata. Um de seus primeiros atos, o decreto 11.366/2023, publicado no dia 1º de janeiro, suspendeu a concessão de novos registros para CACs, limitou o número de armas e munições que cada pessoa pode adquirir, e impôs maior controle sobre os clubes de tiro.
Em julho do mesmo ano, Lula assinou outro decreto consolidando a reversão da política anterior e transferindo a fiscalização das atividades de CACs do Exército para a Polícia Federal. A medida buscou retomar o controle estatal sobre o armamento civil e combater o desvio de armas legais para o crime organizado — um dos temores mais levantados por especialistas em segurança pública.
Deputados da Bancada dos CACs
Veja a lista completa de deputados e senadores integrantes da Bancada dos CACs.
Câmara dos Deputados
- André Fernandes (PL-CE)
- Amália Barros (PL-MT) - falecida em 2023
- Bia Kicis (PL-DF)
- Capitão Alberto Neto (PL-AM)
- Capitão Alden (PL-BA)
- Coronel Ulysses (União Brasil-AC)
- Delegado André David (Republicanos-SE)
- Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP)
- Gilberto Silva (PL-PB)
- Julia Zanatta (PL-SC)
- Marcos Pollon (PL-MS) - fundador do ProArmas
- Mário Frias (PL-SP)
- Mauricio Souza (PL-MG)
- Nelson Barburo (PL-MT) - suplente de Amália Barros
- Pedro Lupion (PP-PR)
- Sargento Gonçalves (PL-RN)
- Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS)
Senado
- Alan Rick (União Brasil – AC)
- Hamilton Mourão (Republicanos-RS)
- Jaime Bagattoli (PL-RO)
- Jorge Seif (PL-SC)
- Magno Malta (PL-ES)
- Marcos Pontes (PL-SP)
- Rogério Marinho (PL-RN)
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