Alepe e Raquel Lyra entram em crise permanente após período de cessar-fogo
Oposição resolveu abrir fogo contra a governadora no Legislativo e mostrou que a perda das principais presidências das comissões faz falta ao governo

Após um breve período de trégua, a crise entre a governadora Raquel Lyra (PSD) e a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) ganhou novos e intensos contornos. Somente da última segunda-feira (31) para cá, foram três fortes investidas do Legislativo contra a gestora, mostrando que ela não terá dias fáceis na condução do Executivo.
Desde o início do mandato, a relação de Raquel com o Legislativo nunca foi das melhores. Diferentemente da gestão passada, em que a Alepe era alinhada ao governo, a governadora se deparou com uma oposição ferrenha, ainda que mantenha maioria numérica de parlamentares na base.
Um episódio que marcou o embate ocorreu em fevereiro de 2024, quando o microfone da Alepe vazou uma fala do presidente da Casa, Álvaro Porto (PSDB), dizendo que Raquel “conversou merda” durante um discurso. Ela afirmou que sofreu violência política e de gênero na ocasião.
Depois disso, os ânimos de certa forma se acalmaram, mas o que parecia ser uma guerra fria, agora voltou a esquentar.
Com a proximidade das eleições de 2026, embora elas ocorram apenas daqui a um ano e meio, os grupos já estão cada vez mais divididos entre os apoiadores da governadora e os aliados do prefeito do Recife, João Campos (PSB), virtual adversário dela no pleito do ano que vem. E isso reverbera de forma concreta na Alepe.
Em janeiro passado, veio o primeiro grande baque do ano para a governadora. Os deputados se reuniram durante o recesso para cobrar de Raquel o pagamento de emendas parlamentares de 2024, que não haviam sido empenhados, gerando uma crise nos primeiros dias do ano.
Em fevereiro, o governo perdeu para a oposição a presidência das três principais comissões da Alepe após uma articulação entre vários partidos, dando aos oposicionistas o poder de traçar os rumos das votações no Legislativo — o que vem acontecendo desde então.
No mês passado, foi a vez do novo administrador de Fernando de Noronha ser escolhido pelo governo por indicação política. Para tomar posse, ele precisa passar por sabatina na CCLJ, mas o presidente da comissão, Alberto Feitosa (PL), opositor de Raquel, já sinalizou que não terá pressa para convocá-lo, mostrando a Raquel a importância de se ter a presidência das comissões.
Ofensiva contra Raquel
Na última semana, a oposição resolveu intensificar os ataques contra a governadora. A primeira ofensiva ocorreu na segunda-feira (31), depois que o governo estadual pediu à Alepe autorização para contratar um empréstimo de R$ 1,5 bilhão para obras em estradas.
Relator da matéria na CCLJ, o deputado Waldemar Borges (PSB) já disse que vai convocar os secretários da Fazenda e de Planejamento antes de liberar o pedido, para entender se é necessário contratar mais um crédito e os impactos no orçamento. Caso o governo não apresente justificativas precisas, o relatório pode não ser favorável.
Na terça-feira, o secretário de Educação teve que ir à Alepe e participar de uma audiência pública para explicar os problemas encontrados nas escolas estaduais. Durante a sessão, ele foi bombardeado de questionamentos sobre atraso nos kits escolares, fardamento, infraestrutura, climatização das salas e convocação de professores.
Ainda na terça-feira veio aquele que foi considerado nos corredores como o maior golpe recente do Legislativo no estado: o deputado Alberto Feitosa protocolou uma PEC que aumenta o percentual das emendas parlamentares e pode ocasionar a redução do controle do orçamento estadual por parte do governo.
A pauta foi colocada em votação no plenário do dia para a noite pelo presidente Álvaro Porto e a governadora teve que fazer uma manobra para esvaziar a Alepe e impedir a apreciação da matéria, postergando a decisão.
Ou seja, todos os casos reforçam que o apoio do presidente da Casa e da presidência da CCLJ, que era comandada pelo governista Antônio Moraes (PP) na legislatura passada, estão fazendo falta a Raquel.
Crise no PSDB também envolve Alepe
A crise deflagrada no diretório estadual do PSDB estadual nessa semana também envolve a Alepe e Raquel, que era filiada ao partido até o mês de março.
A governadora filiou Priscila Krause ao partido para tentar preservar a legenda na bancada governista, mas após a intervenção nacional da última quinta-feira (2), a vice-governadora saiu do partido e Álvaro Porto se tornou o presidente estadual, inclinando a legenda para a base de João Campos, de quem ele é aliado.
Porto, inclusive, subiu o tom contra Raquel, afirmando que ela usou o partido para se eleger prefeita de Caruaru e governadora do estado, e depois teria descartado a legenda.
Toda a base de prefeitos tucanos saiu do partido em apoio à governadora e alguns deputados estaduais só não fizeram o mesmo porque a janela partidária não está aberta. Questão de tempo.
Enquanto isso, João vai pro interior
Enquanto a crise se intensifica entre Legislativo e Executivo, o prefeito João Campos não se envolve publicamente nas questões estaduais. Apesar disso, o partido dele possui 12 deputados na Casa, garantindo uma oposição forte à governadora, sem contar as legendas da bancada aliada.
Nos últimos dias, a estratégia dele foi intensificar a presença no interior do estado, onde Raquel já demonstrou ter força, especialmente por ter sido prefeita de Caruaru por dois mandatos.
O socialista tem realizado convenções do PSB em várias cidades do estado e quer reforçar as alianças locais, ao mesmo tempo em que reforça a imagem de novo presidente nacional do partido, em eleição que deve ocorrer em maio, quando também poderá ampliar os laços nacionais.
O objetivo do prefeito é demonstrar capacidade de diálogo e aumentar a musculatura política de olho em 2026, onde terá que obter apoios de prefeitos do interior para conquistar votos para além da RMR, onde ele é mais popular, para bater de frente com a governadora.
Até lá, Raquel Lyra trabalhará para ampliar a base aliada junto ao seu novo partido, o PSD, enquanto terá que lidar com uma Alepe que lhe dá dor de cabeça todos os dias.