Estudo inédito revela abismo sanitário e racial em áreas de risco no Recife
A desigualdade de infraestrutura é um dos principais achados do estudo. O acesso à rede de esgoto é drasticamente menor nas áreas mais pobres
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As chuvas e enchentes no Recife não atingem a população de forma igualitária. Um estudo inédito do Instituto Pólis, com base nos dados mais recentes do Censo 2022, aponta que a capital pernambucana é um exemplo de como o racismo ambiental e a segregação socioterritorial expõem desproporcionalmente a população negra e pobre aos riscos climáticos e sanitários.
O levantamento, que analisou quatro capitais brasileiras (Recife, Belém, São Paulo e Porto Alegre), revela que a crise habitacional na capital pernambucana joga 190 mil pessoas para áreas de risco geológico, onde a infraestrutura é precária e os impactos das chuvas são potencializados.
39% de esgoto nas favelas
A desigualdade de infraestrutura é um dos principais achados do estudo. O acesso à rede de esgoto é drasticamente menor nas áreas mais pobres, majoritariamente negras.
Bairros ricos (predominantemente brancos): quase 90% de cobertura de esgoto.
Favelas e comunidades urbanas: apenas 39% dos domicílios têm acesso à rede de esgoto.
Média municipal do Recife: 60,3%.
A precariedade se repete em outras infraestruturas. Enquanto 72,9% dos domicílios no Recife estão em vias com calçadas, nas favelas este índice cai para 44,2%. A coleta de lixo, com cobertura média de 94,6% no município, despenca para 90,7% nas favelas.
Negros em áreas de vulnerabilidade
A população negra (pretos e pardos) representa 60,4% do total do Recife. Contudo, nas favelas e comunidades urbanas, esse percentual salta para 73,8%, evidenciando a concentração racial nas áreas mais vulneráveis e sem infraestrutura.
Nas áreas classificadas como de risco, a renda média do responsável pelo domicílio é de apenas 1,8 salário mínimo, menos da metade da renda média em áreas sem risco.
A segregação também afeta as mulheres chefes de família. A taxa de mulheres chefes de família não alfabetizadas é de 7,8% na média municipal, mas sobe para 13,5% nas favelas, um grupo que sofre em maior grau com a distribuição desigual de serviços e eventos climáticos extremos.
Doenças
Os impactos do racismo ambiental se manifestam diretamente na saúde pública. O estudo mostra que a população negra sofre desproporcionalmente com doenças de veiculação hídrica e arboviroses (como a dengue):
Doenças de Veiculação Hídrica: A taxa de internação de pessoas negras é de 53,4 por 100 mil habitantes, um número 4,5 vezes maior do que a taxa de pessoas brancas (11,8 por 100 mil habitantes).
Arboviroses (Dengue e Outras): A taxa de internações de pessoas negras é de 14,9 a cada 100 mil habitantes, sendo 4 vezes maior que a taxa de pessoas brancas (3,8).
Um dado alarmante é a concentração de internações por arboviroses: 93,3% das hospitalizações em 2024 foram de crianças e jovens de até 29 anos de idade. Embora essa faixa etária represente cerca de 39% da população total, sua taxa de incidência é de 22,6 internações para cada 100 mil habitantes, 8 vezes maior do que a de pessoas com 30 anos ou mais.
“O direito à moradia precisa estar no centro do debate climático - sem moradia digna, a população mais vulnerabilizada segue sendo empurrada para áreas de risco", alerta Raquel Ludermir, urbanista e doutora em desenvolvimento urbano, sublinhando que a crise habitacional está no epicentro da crise climática do Recife.