Recife mantém liderança no Ranking de Competitividade entre as capitais do Nordeste, mas cai oito posições. Entenda os motivos
Indicadores sociais e estruturais pesaram na avaliação e puxaram Recife para baixo, mesmo à frente das demais capitais do Nordeste

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Recife é uma cidade de contrastes. Inovação e atraso, pioneirismo e abandono, riqueza e vulnerabilidade. No Ranking de Competitividade dos Municípios, divulgado nesta quarta-feira (27) pelo Centro de Liderança Pública (CLP) em parceria com a Gove e a Seall, a capital pernambucana mantém, pelo quinto ano consecutivo, a liderança entre as capitais do Nordeste. Mas o desempenho veio acompanhado de um alerta: nesta 6ª edição, Recife perdeu oito posições, enquanto outras capitais avançaram com força.
Capitais como Salvador, Natal e Teresina subiram muitas posições no Ranking, e cidades do Norte, como Porto Velho, Macapá e Palmas, registraram os maiores crescimentos do País. Das 27 capitais brasileiras, 18 melhoraram no levantamento. Recife foi a única do Nordeste a registrar queda tão acentuada. Além da capital pernambucana, Fortaleza também recuou no ranking, mas apenas uma posição — de 8º para 9º lugar —, o que contrasta com a forte queda do Recife.
A executiva de Relações Governamentais e Competitividade do CLP, Carla Marinho, reforça a gravidade da perda de colocação. “É um dado importante. Cair oito posições para uma capital é muito relevante, especialmente quando olhamos para outras cidades que avançaram fortemente neste ciclo”, analisa.
Liderança precisa ser monitorada
Apesar de manter uma distância confortável em relação à segunda colocada no ranking do Nordeste - Fortaleza, em 97º lugar - a liderança do Recife ficou mais frágil. “Reforço a atenção para o fato do Recife ser, entre as capitais do Nordeste, a que mais perdeu posições no ranking, apesar de ter mantido destaque importante nos últimos anos. É uma liderança que precisa ser vigiada e monitorada constantemente”, alerta.
Ao longo dos seis anos de trajetória do Ranking, Recife segue um comportamento de subida e descida ano a ano. O pior desempenho foi em 2020, ano da pandemia da covid-19, quando ficou na 100ª posição, e o melhor foi em 2023, na 37ª. De lá para cá a capital pernambucana segue em queda.
Indicadores sociais derrubam cidade
O desempenho de Recife tem duas faces bem distintas. De um lado, a cidade mantém posições sólidas na máquina pública (entre as 15 melhores do Brasil), em capital humano (top 10 nacional, embora tenha caído da 4ª para a 7ª posição) e na economia, com destaque para inovação e dinamismo econômico (entre as 30 primeiras). A gestão também comemora melhoria exponencial em acesso à saúde, com ganho de 176 posições, ocupando o 136º lugar no País.
Na outra ponta, os pilares sociais puxaram a cidade para baixo. Enquanto o acesso à saúde melhorou, a qualidade despencou. A cidade perdeu 100 posições nesse pilar, ocupando o 346º lugar e colocando Recife entre os 70 piores do Brasil. No pilar de qualidade da saúde, a capital pernambucana despencou em todos os indicadores: maternidade materna, com queda de 135 posições; mortalidade na infância (-88); desnutrição na infância (-49); mortalidade por caudas evitáveis (-33) e obesidade na infância (-11).
Alerta para a mortalidade materna
Desafio estrutural para a gestão do Recife, a mortalidade materna ganha evidência no Ranking. Pelos dados do Ministério da Saúde (Datasus) utilizados no levantamento do CLP, a taxa de mortalidade materna no Recife é de 87,99 por 100 mil nascidos vivos, muito acima dos padrões da OMS e do Ministério da Saúde e acima da taxa de Pernambuco (53,4) e do Brasil (52,2).
"Para comparação, Goiana, Caruaru, Ipojuca e Carpina registraram mortalidade materna zero. Já Jaboatão dos Guararapes teve o pior índice de Pernambuco, com 153,30 por 100 mil, o maior do ranking", compara Carla.
Por meio de nota, a Prefeitura do Recife respondeu sobre o desempenho da capital no Ranking, atribuindo alguns indicadores negativos, como morte materna à "desatualização de dados do levantamento'.
"No que diz respeito à mortalidade materna, houve uma queda de 40% entre 2023 e 2024. A gestão investiu na qualificação da linha de cuidado materno-infantil (pré-natal, puerpério, estratificação de risco e investigação de óbitos) e no fortalecimento da Atenção Primária, monitorando agravos infantis como baixo peso e risco nutricional", diz o texto.
Morte de gestante em investigação e blitz
Em abril de 2024, a bancada de oposição na Câmara do Recife realizou uma blitz na Maternidade Professor Barros Lima, no bairro de Casa Amarela, na Zona Norte. Na ocasião, eles relataram falta de médicos e problemas estruturais na unidade, "submetendo as gestantes a situação de sofrimento", como declararam.
A administrção da Barros Lima também está sendo investigada pela morte da paciente Raquel Pedro da Silva, em 2023. Ela foi internada em uma segunda-feira de maio daquele ano e não conseguiu dar a luz à filha por parto normal. Na quarta-feira, sentindo muitas dores, ela caiu da maca enquanto o marido se afastou para buscar ajuda médica. O esposo da vítima conta que o leito estava sem proteção lateral. Após a queda, ela foi submetida a uma cesariana. A filha sobreviveu, mas a mãe não resistiu.
Falta saneamento
Além da Qualidade na Saúde, Recife também apresentou queda em saneamento (-40) e segurança (-19). Com esse resultado, a cidade figura etre o 30 piores municípios do Brasil no indicador de segurança.
Cinco anos após o marco regulatório nacional do saneamento, Recife ainda enfrenta sérios problemas para universalizar o abastecimento de água e ampliar a rede de esgotamento sanitário. Carla lembra que os indicadores são claros. “Há necessidade de atenção nos pilares de saúde e saneamento, que estão interligados e impactam diretamente a qualidade de vida da população”, observa.
Na nota encaminhada ao JC, a diz que comparar os desafios do Recife com cidades menores exige cautela, devido à maior população e complexidade urbana. "A prefeitura investe em saneamento e infraestrutura, incluindo limpeza de canais, manutenção de galerias pluviais e combate ao descarte irregular de lixo. Entre as ações, destacam-se o ProMorar, para melhoria habitacional em áreas vulneráveis, e o Rua Tinindo, que moderniza infraestrutura urbana e serviços de saneamento", afirma.
Ainda segundo a Prefeitura "há ampliação da cobertura de água, avanços nas ligações intradomiciliares e investimentos contínuos na coleta e tratamento de esgoto, somados a limpeza urbana, coleta e reaproveitamento de resíduos. A gestão também promove políticas preventivas e educação ambiental integradas".
Segurança piora no ranking
"Em segurança Recife enfrenta o pior resultado da sua série histórica, ocupando a 387º posição entre 418 cidades avaliadas. Embora o tema tenha forte peso estadual, a queda no Recife reforça a necessidade de políticas mais integradas de segurança pública", alerta.
Em resposta, a gestão municipal lembra que "a segurança pública é uma responsabilidade primária do Governo do Estado, mas a Prefeitura do Recife tem assumido um papel complementar cada vez mais ativo, especialmente na prevenção. De acordo com a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE), entre 2022 e 2024 os crimes violentos contra o patrimônio no Recife tiveram redução de aproximadamente 10%", diz a nota.
Ainda segundo a Prefeitura, "esse resultado está associado a iniciativas municipais como a expansão da Rede Compaz, que já conta com seis unidades, o plano de iluminação pedonal (R$ 41 milhões já investidos e mais R$ 13 milhões em execução), a reestruturação de calçadas e a ampliação do sistema de câmeras de videomonitoramento.Além da infraestrutura, a gestão também tem fortalecido o diálogo com a população, por meio de consultas públicas sobre percepções de insegurança, reforçando seu papel de apoio e prevenção às políticas estaduais", complementa.
Para refletir
A executiva do CLP explica que o ranking é uma ferramenta para auxiliar os gestores, mas que os municípios têm diferentes realidade que precisam ser observadas. “O ranking, por ter caráter anual e foco nos resultados, é uma ferramenta importante para acompanhar de perto os desafios, corrigir rotas e identificar oportunidades, mas não se pode ignorar as diferenças entre as realidades de cada cidade. Ele não aponta apenas problemas, mas também evidencia avanços”, destaca.