Editorial | Notícia

Nem uns, nem outros?

Pesquisa aponta cansaço dos brasileiros com a disputa acirrada e maniqueísta que caracterizou a polarização nas eleições presidenciais anteriores

Por JC Publicado em 15/11/2025 às 0:00

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A democracia contemporânea é justamente criticada, e quase sempre designada como em crise, mas a continuidade do processo eleitoral transparente, aberto à diversidade de candidatos, é a garantia de rotatividade no exercício do poder. Os governos que se sucedem sem troca do chefe de Estado ou do partido, durante décadas, podem se aproximar da tentação autoritária realizada nos regimes de exceção. No Brasil, de 1989 para cá, desde que Fernando Collor assumiu o Palácio do Planalto – para sofrer impeachment poucos anos depois – a população brasileira tem a prerrogativa de escolher o presidente da República num cardápio amplo de nomes colocados à disposição dos votos. Mas a rotatividade não vem sendo tão grande, com os mesmos partidos liderando a preferência do eleitorado, e com líderes que se registram em novas disputas para dar continuidade ao trabalho cujo legado não querem passar para outros candidatos.
Concorrente de Collor no segundo turno de 1989, Lula é o grande protagonista dos embates políticos em 40 anos de redemocratização. A figura referencial do Partido dos Trabalhadores encarnou a polarização, primeiro, com o PSDB de Fernando Henrique Cardoso, e depois, com o PL de Jair Bolsonaro. Essas polarizações refletem momentos diferentes na política nacional, e se expressaram de modo diverso nos resultados das urnas. Mas especialmente desde o impeachment de Dilma Rousseff, do PT, e a ascensão do bolsonarismo preenchido pela direita radical, o confronto político no Brasil extrapola o ambiente democrático, no sentido de que há um bloqueio à formação de consensos elaborados pelo diálogo – exatamente a necessidade básica nas democracias.
Se na América Latina em geral os populismos revelam capacidade de renovação para além dos nomes que os inspiram, alguns pela força de um governo ditatorial, a realidade brasileira pode ser mais complexa. E o grau do radicalismo excludente criado nos últimos anos, junto ao aumento de demonstrações de ódio, gerou uma certa fadiga do debate maniqueísta dos radicais. É possível sair do impasse, sem eleger uns ou outros, no ano que vem? Talvez, de acordo com a pesquisa Quaest divulgada esta semana, quase a metade dos entrevistados gostariam de votar em alguém dissociado de Lula e de Bolsonaro.
A menos de um ano do pleito, a sensação de cansaço, captada pela pesquisa, pode ser alterada pelo revigoramento dos polos. O que não seria surpresa, diante do histórico recente. Mas o desgosto captado é inédito, e também revela uma frustração que pode não se dobrar facilmente aos apelos repetitivos da polarização de sempre. Isso faz igualmente parte da democracia: a liberdade do voto existe para mudar não apenas quem está no poder, mas para provar que uma mudança anterior, de percepção, acontece no eleitorado. “O terreno já está sendo preparado pelo comportamento dos próprios eleitores”, comentou o colunista do JC, Igor Maciel. Somente as urnas de 2026 trarão a resposta, com repercussões e variações nos estados, e na composição do Congresso e das assembleias estaduais.

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