Editoral JC: Congresso não veio de Marte
Maioria formada por integrantes de partidos do governo e da oposição, em prol da impunidade parlamentar, é um reflexo da sociedade brasileira

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A indignação que se espalhou pela opinião pública, puxada pela imprensa e por alguns dos que votaram contra, pode não surtir qualquer efeito sobre os deputados federais, de quase todos os partidos, que foram a favor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) vinculando a abertura de processo contra um parlamentar à anuência do próprio Congresso.
Para investigar e punir deputados e senadores, o Judiciário precisará da permissão de outros deputados e senadores. Fácil é prever que o corporativismo pode reduzir as permissões a pouquíssimas, como durante os anos, logo após a promulgação da Constituição de 1988, em que essa prerrogativa vigorou.
O coro dos indignados, o qual também entoamos, é justo e inevitável. Trata-se de mais uma defesa da impunidade no Brasil. E mais uma vez, para a proteção de uma elite que produz e usufrui de direitos diferenciados em relação ao restante da população.
Como seria blindar os cidadãos de propostas e condutas deslocadas do interesse coletivo? E impedir que parlamentares assumissem de maneira tão tosca a própria culpa sobre qualquer investigação, antecipadamente, adotando expediente totalitário que proíbe que sejam investigados?
Embora seja fruto de votação por maioria, a legislação que barra o trabalha de outro poder da República não deixa de ter, sim, viés autoritário, por mais que seus defensores evoquem o equilíbrio entre os poderes e a autonomia do Legislativo. Nenhum integrante dos poderes deve possuir o direito de se desvirtuar e ficar impune, minando a democracia.
A pouco mais de um ano de nova rodada eleitoral, seria confortante supor que grande parte dos que aprovaram a PEC da blindagem podem se despedir da função parlamentar, derrotados das urnas. Mas como já se viu tanto no país, a opinião pública parece deter pouca força para mudar substancialmente as casas legislativas. E os congressistas sabem disso.
Infelizmente, a baixa popularidade associada à representatividade desconectada, em episódios como o da blindagem, não costuma surtir efeitos na decisão soberana do voto. E ao invés de se oxigenar a representação política, o que renovamos é o problema do distanciamento evidente entre os parlamentares e o interesse coletivo.
Se fazem o que fazem sem se importar com as repercussões, é porque os deputados acreditam que seu eleitorado tão pouco se importa. Há um lastro de desinteresse entre representantes e representados, não apenas no Brasil, nas democracias contemporâneas. É através desse lastro firme que une políticos e povo que o interesse coletivo, muitas vezes, é deixado de lado.
Há uma questão de formação da identidade nacional embutida na PEC da blindagem e noutros comportamentos da política brasileira – que obviamente não se limitam ao Congresso, nem ao Poder Legislativo.
Talvez o Senado atrase ou estanque a blindagem tão desejada pelos deputados, seguindo tramitação menos insidiosa. Mas a solução para a impunidade dos políticos cabe à resposta das urnas – tão improvável no curto prazo quanto necessária, sempre, para salvar a democracia.