Editorial | Notícia

Pátria amada dividida

A celebração da identidade, em 2025, continua ofuscada pela disputa política que fratura a nação e aposta no aprofundamento da polarização

Por JC Publicado em 07/09/2025 às 0:00

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No meio do julgamento de um ex-presidente da República, personagem que desperta a simpatia de quase metade da população, e a antipatia da outra metade, a comemoração tradicional da identidade nacional perde o tom de essência do orgulho da brasilidade. Este ano, mais uma vez, o 7 de Setembro é uma data ofuscada pela polarização política que atrai a atenção, desviando o olhar dos problemas persistentes e das conquistas inegáveis, para focar na repetição do duelo retórico que divide e fratura a nação. E embora as eleições presidenciais aconteçam somente no ano que vem, a arrumação das peças do jogo eleitoral toma conta de Brasília e contamina o país, antecipando e alongando uma disputa que pode nem acontecer, se forem outros os candidatos principais postos à escolha dos votantes.
Turbinado de fora pelo tarifaço de Donald Trump para a importação de produtos brasileiros pelos Estados Unidos, e da justificativa da sobretaxa atrelada ao julgamento de Jair Bolsonaro, o discurso oficial do Palácio do Planalto em defesa da soberania verde-amarela ganha realces de campanha antecipada. A soberania está posta na Constituição Federal e não se cogita que seja abalada com as ameaças trumpistas. No entanto, é recorrente o uso ideológico da soberania para o contraponto com a potência norte-americana, configurando recurso sem novidade no contexto latino-americano.
Será triste ver as cores da bandeira submetidas, uma vez mais, neste 7 de Setembro, a manifestações extremadas que não trazem ao palco da data histórica o sentido da Independência e a releitura do processo que não se restringiu à caricatura de um grito sobre um cavalo. O Brasil já exibia então uma diversidade de movimentos que contou, inclusive, com a participação marcante de Pernambuco, no caminho da emancipação colonial. A pluralidade de fatores que contribuíram – e continuam contribuindo – para a diversificada formação cultural e política do país, fica em segundo plano, hoje, ocultada pelo cabo-de-guerra entre seguidores de líderes populistas que possuem muito mais em comum do que gostam de admitir suas plateias.
A pátria amada dividida vira palco para ataques de ódio que não exaltam a verdadeira luta da brasilidade. O duelo de claques é parte de um jogo pelo poder que despreza os imensos desafios da nação brasileira. A desigualdade social, o domínio do crime organizado, a violência que tira a vida de parcela expressiva dos jovens das periferias, as lacunas estruturais que vão da educação básica à falta de transporte coletivo, o atraso nas políticas de desenvolvimento que perpetua todos os problemas – não faltam questões a serem vistas pelo prisma da formação inconclusa da cidadania que embasa a nacionalidade.
Entre coros e cartazes, os grupos reunidos nas ruas por um ou outro dos polos deveriam fechar os olhos e pensar com sinceridade no Brasil que temos, e no Brasil que desejamos. Sem projetar a eleição do ano que vem no estandarte da Independência, feito fachada falsa encobrindo algo. O que a grandeza da pátria nos traz deve ser sempre mais que o engajamento automático a descartáveis palavras de ordem.

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