Protestos na Indonésia
Crise que leva a manifestações populares contra o sistema político traz de volta, para o mundo, a necessidade da sintonia na representação coletiva

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Enquanto as notícias preocupantes dos Estados Unidos chegam todos os dias, deixando alertas para que o mau exemplo da Casa Branca não se espalhe, protestos violentos contra o governo e os políticos na Indonésia, sem nítida apropriação até o momento, voltam a chacoalhar a democracia. As manifestações que ocorrem no país asiático podem ser feitas em qualquer nação, pois o descontentamento com a representação coletiva vem sendo patente nas últimas décadas. E como a informação circula globalmente, um protesto a milhares de quilômetros de distância pode reverberar em outros locais, onde a conjuntura suscite questionamentos – e onde não suscita?
Na Indonésia, os protestos miram o governo e o parlamento. O impacto é tal que os partidos prometem reduzir benefícios dos parlamentares, segundo o presidente, Prabowo Subianto. Além dos salários altos, os cidadãos foram às ruas reclamar do auxílio para a moradia recebido pelos parlamentares. Ao tentar reprimir uma manifestação, o governo foi responsabilizado pela morte de um motociclista, o que desencadeou tumultos e ameaças a políticos. Houve saques e incêndios, derrubando as bolsas no Sudeste Asiático na semana passada. Estudantes organizados pelas redes sociais planejam novos ataques a partir desta segunda, numa disposição que fez o presidente Subianto declarar os protestos como ações terroristas.
Cercado por policiais e militares, apoiado pelos partidos, o presidente indonésio responde à crise de representatividade com a perspectiva da repressão. Mas sufocar o movimento com a força pode não significar uma solução. Ainda mais porque, nesse tipo de resposta, a autoridade se confunde com autoritarismo, mesmo que a intenção externada seja proteger a população e o sistema democrático. Não é outra a alegação de regimes fechados, ou que se fecham para provocar o medo, ao invés do respeito coletivo. Se a crise é de representatividade, a Indonésia – e todo o mundo – precisa buscar o amadurecimento da democracia, e não, a sua negação. Negar a democracia é o que tem feito Donald Trump, nos Estados Unidos, e nas relações internacionais.
A revogação de subsídios a parlamentares indonésios é uma mostra de que o governo de lá, e os partidos, consideram pertinentes as reivindicações, longe de serem apenas atos terroristas. Enfatizar o uso da força repressiva pode diminuir a pressão nas ruas, mas é da política e seus representantes eleitos, bem como dos integrantes do governo e demais instituições, que a população aguarda novos comportamentos. Cada nação traz em sua história problemas acumulados, mas é na representação democrática que repousa a confiança individual que se transforma em legitimação coletiva. Na Indonésia, nos Estados Unidos, no Brasil ou em outro país, manifestações que descambam para a violência merecem a devida atenção, inclusive para não serem utilizadas como massa de manobra por governos ou oponentes com aspirações totalitárias.
A desigualdade e a dissociação dos políticos do interesse público são apontadas pelos estudantes indonésios como raízes dos protestos. Nada que não possa servir de gatilho em qualquer parte do mundo. A valorização da democracia passa pela constatação de seu mau uso por políticos mais agarrados ao poder por interesse próprio, do que dedicados à missão coletiva identificada à representação democrática.