Adrenalina e vandalismo
Aumento de casos de invasões e normalização da depredação dos coletivos em Pernambuco mostram a desvalorização do transporte público no país

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Sabe-se que o transporte coletivo no Brasil é motivo de preocupação e insegurança para a população, há muitos anos. O que tem piorado ainda mais a situação, fazendo com que a decadência dos sistemas pareça entrar num ponto sem retorno, é a rotina de desvalorização desse tipo de transporte, principalmente os ônibus. Sem controle do acesso de passageiros que invadem sem cerimônia, ou a repetida cena de adolescentes que pegam carona, perigosamente, se agarrando aos ônibus enquanto pedalam suas bicicletas, além do cotidiano de furtos, agressões e vandalismos, o transporte público é cada vez menos utilizado pelos brasileiros. A preferência por alternativas ainda mais perigosas, como as motos de aplicativos, evidencia a decadência que castiga os cidadãos, e desmoraliza os governos que não transformam discursos em prol do transporte público em prática.
De janeiro a agosto deste ano, os pernambucanos presenciaram 853 ações de vandalismo nos ônibus, a maioria na Região Metropolitana do Recife. São mais de uma centena de casos por mês. Com uma frequência tão alta, os usuários se acostumam com a má condição do serviço, os vândalos com a impunidade, e os gestores públicos, com a inércia que barra a busca por soluções e afunda o transporte coletivo em crise. “A depredação de ônibus não é apenas um transtorno, mas um crime que paralisa o transporte público e prejudica os usuários de forma geral. O ônibus tem que ficar parado no dia seguinte para ser consertado e nunca sai à rua da mesma forma de antes”, relata o diretor de operações do Conorte, consórcio que opera 20% das linhas no Grande Recife, Diego Benevides.
A prática da depredação, uma vez normalizada pelos governos, pelos criminosos e pela sociedade, desvaloriza o transporte coletivo. Assim como o surf e o morcegamento nos ônibus, que prometem adrenalina vinculada a um risco físico que também não pode ser naturalizado. A ineficiência do controle urbano, pelo poder público, e de meios de prevenção, pelas empresas concessionárias, resultam num quadro que apenas se agrava, afastando usuários e deixando a mobilidade ainda mais comprometida na Região Metropolitana do Recife, e em outras partes do país.
Para conter as invasões, a fiscalização poderia ser uma opção, como no Rio de Janeiro, onde são aplicadas multas para quem entrar sem pagar a tarifa. Também no Rio, um programa de segurança reduziu em 90% os gastos com reparos de equipamento no sistema BRT. Não faltam bons exemplos para serem adotados, mesmo que adequados à realidade em Pernambuco. O que não se vê é a ação consequente para recuperar a credibilidade do sistema de transporte público, atraindo as pessoas de volta e garantindo conforto, segurança e rapidez nos trajetos. Isso não será feito sem investimentos, decerto – mas tão pouco sem o reconhecimento de que do jeito que está, não pode ficar.