Editorial JC: Soberania não basta
Em entrevista à Rádio Jornal, o presidente da Fiepe, Bruno Veloso, chamou atenção para inconsistências do pacote de medidas do governo federal
Clique aqui e escute a matéria
A mania política brasileira de transformar todo e qualquer assunto em palanque, muitas vezes, desqualifica a intenção, mistura a realidade com tintas de campanha eleitoral fora de hora, e compromete os objetivos, por mais urgentes e necessários que sejam. Este parece o caso da comunicação escolhida para um pacote de medidas – indefinidas, remetendo ao caráter de improviso típico de campanhas eleitorais – em resposta ou reação ao tarifaço imposto por Donald Trump aos produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos.
Mais reação do que resposta, aliás, pois o pacote não traz soluções aos problemas gerados pela chantagem política norte-americana, que já começa a produzir efeitos na economia dos dois países.
E oferece, como essência, a síntese de uma mensagem equivocada, na opinião do presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco – Fiepe, Bruno Veloso. Para ele, chamar o programa de apoio de “Brasil Soberano” é apostar numa comunicação de confronto, quando o momento exige redobrado esforço de negociação para a conciliação.
O dirigente da Fiepe foi entrevistado na última quinta-feira, no Passando a Limpo, da Rádio Jornal. E não poupou críticas e observações preocupadas acerca dos efetivos resultados do pacote lançado pelo governo federal como uma espécie de antídoto ao tarifaço de Trump.
As lacunas de informações sobre a linha de crédito anunciada estão entre as dúvidas apontadas pelo presidente da Fiepe: não se sabe quem poderá ser beneficiado, ou como, e a que taxa de juros, por exemplo. “Essa obscuridade traz insegurança”, afirmou.
A possibilidade do aproveitamento do que iria para os EUA no mercado interno brasileiro é algo difícil, segundo Veloso, em casos como o das frutas do Vale do São Francisco. Somente de mangas, na atual safra, 2.500 contêineres com 25 mil toneladas seriam exportados para o mercado norte-americano. E há uma diferença básica no preço: enquanto a manga chega aos EUA por cerca de oito reais, devido ao custo de produção, no mercado brasileiro o preço não passa de dois reais a unidade.
É uma equação complicada, na hora de transferir de um mercado para outro, como se as relações comerciais pudessem ser migradas automaticamente. Além do mais, as frutas são produtos perecíveis, não podem esperar muito tempo pela definição dos planos governamentais.
Em outro ponto da entrevista, Bruno Veloso lembrou que não há dificuldade de abastecimento de açúcar. O que é exportado é açúcar que sobra. Não dá para estimular o consumo de açúcar pela população brasileira, com o intuito de compensar o prejuízo do que não for para os Estados Unidos pela sobretaxa de importação.
São questão concretas como essas que o pacote de medidas terá que resolver – e não será da noite para o dia, nem com uma postura de conflito, assumida oficialmente pelo presidente Lula em nome da soberania nacional. O retorno da negociação das tarifas, pelo bem da economia e do país, é o que defendem muitos empresários, como o presidente da Fiepe.
Confira a charge do JC desta sexta-feira (15)