Vergonha democrática
Pesquisa Datafolha expõe a falta de sintonia entre os principais representantes das instituições e o povo brasileiro – em distanciamento crescente

Há tempo se nota um distanciamento crescente dos temas e dilemas que põem em confronto os Três Poderes no Brasil, e a realidade cotidiana da população. Não por acaso, esse descolamento também é apontado como um fator determinante para a continuidade dos problemas nacionais, a começar pela desigualdade econômica e social que impõe uma barreira histórica ao desenvolvimento. Enquanto o Judiciário, o Legislativo e o Executivo se atacam em disputas que, via de regra, não fazem sentido para o destino coletivo, situações degradantes permanecem intocadas, à espera de atitudes e medidas transformadoras que nunca vêm - ou não se viabilizam em escala suficiente para fazer alguma diferença.
Nos últimos meses, escândalos de corrupção envolvendo os poderes da República repetem um modelo de comportamento desvirtuado que acompanha a história do país, há séculos. Denúncias de desvios e assaltos ao dinheiro público no âmbito da responsabilidade de juízes, prefeitos, deputados e senadores ou integrantes diversos da burocracia, minam diretamente a credibilidade das instituições democráticas junto à maioria dos brasileiros. E a desconfiança está virando vergonha, e se afastando do orgulho que a democracia deveria inspirar.
Em reflexo incontornável à esculhambação que domina a Praça dos Três Poderes - com raras exceções que escapam aos principais maus exemplos - o Datafolha traduziu a vergonha da população em números contundentes. Os resultados desanimam, mas não surpreendem. E muito menos retiram a importância das instituições democráticas: pelo contrário, reafirmam o valor de instituições das quais muito se espera, no atendimento das demandas coletivas postas todos os dias à atenção dos que exercem algum tipo de poder, para decisões que se protelam a cada governo ou legislatura.
Mais da metade dos entrevistados declararam sentir mais vergonha do que orgulho dos deputados e senadores, dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do presidente Lula. O que não retrata, certamente, apenas uma conjuntura desfavorável no espelho de passageira impopularidade. E sim, o acúmulo de decepções e desilusões diante de seguidas provas de desinteresse e descompromisso com a gravidade urgente dos problemas coletivos. Do roubo descarado no INSS aos aposentados, até a insistência do Congresso com as emendas bilionárias em proveito próprio, sem transparência e, como sugerem novos indícios, suscetíveis à torpeza dos corruptos, não faltam motivos de irritação para o povo brasileiro em relação às instituições.
Embora haja padrões diferentes de percepção, segundo o Datafolha, de acordo com as preferências políticas ligadas ao petismo ou ao bolsonarismo, na polarização que não ajuda ao equilíbrio institucional, a constatação da vergonha em alto grau de disseminação precisa servir para uma autocrítica dos Três Poderes. De pouco adiantará o conhecimento do vergonhoso juízo que os brasileiros fazem de seus poderes, se ao invés de um chamado à responsabilidade de cada um e de todos juntos, perdurar o clima de animosidade, incensado por quem só deseja ver a Praça pegando fogo.