A ideologia da violência
Financiamento da destruição e do ódio alimenta as guerras como ideologia maior que esquerda ou direita – pois a compulsão bélica une os inimigos

Há uma ideologia da segurança e do confronto que se expande com as guerras e as autorizações para gastos com armamentos. Podemos chamar de belicismo, que fundamenta as ditaduras e cresce nas democracias, acentuando polarizações e desigualdades, ressaltando o valor da força como poder de domínio e exclusão, e uma forma de governar e tratar o outro. Embora sejam realizadas por Estados nacionais e seus governos, ou por facções ligadas a grupos políticos ou regimes totalitários, as guerras são viabilizadas pela indústria de armas, que lucra bilhões de dólares com as transações que resultam em ruínas e cadáveres. À semelhança de concessões para a gestão de transporte, os conflitos bélicos poderiam estampar as marcas das patrocinadoras, tão essenciais para que os confrontos se desenvolvam quanto seus planejadores e ideólogos.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) anunciou que vai exigir de seus países-membros o investimento mínimo de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em “Defesa” – rótulo para armas, munições, logística e capacitação para as guerras. A motivação para o aumento substancial dos gastos é, claro, o temor de que aconteçam ataques a um país-membro que não esteja protegido – ou seja, que não seja capaz de responder com a mesma intensidade, olho por olho, dente por dente, de preferência fazendo mais estragos do que recebeu. Pois se “o mundo está mais perigoso”, como afirmou o secretário-geral da entidade, Mark Rutte, nada mais lógico que todos se armem... talvez para torná-lo mais perigoso ainda.
Para Rutte, os gastos com defesa aérea devem quintuplicar, a fim de evitar o que ocorre na Ucrânia, atacada pela Rússia. A entrada da Ucrânia na OTAN, por sinal, é considerada desejável e urgente, além de seguir a mesma lógica, uma vez que são os membros da OTAN que ajudam militarmente os ucranianos – somente este ano, algo em torno de 35 bilhões de dólares de apoio. Atualmente, o que se gasta com armas gira entre 2% e 3,5% por país da organização, e o acréscimo foi uma demanda de Donald Trump assim que assumiu a presidência dos Estados Unidos, este ano. Em 2024, estima-se que a Casa Branca tenha torrado quase 1 trilhão de dólares com despesas militares. Apenas um bombardeiro B-2, único capaz de transportar a bomba de 14 toneladas perfuradora de bunkers, utilizado contra o Irã, tem estimativa de custo acima de 2 bilhões de dólares. Em comparação, a China teria gasto 314 bilhões de dólares e a Rússia, quase 150 bilhões de dólares, de acordo com números do SIPRI, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo.
As contas devem seguir aumentando nos próximos anos, porque as demonstrações de força exigem, pela ideologia da violência, uma escalada de força proporcional à ameaça que tais demonstrações representam. Vamos nos acostumar a ver os céus riscados feito telas de games, em guerras de durações variadas, cada vez mais caras – enquanto a desigualdade, a pobreza e a miséria não valem um dólar de investimento.