ONU contra a parede
Em um mundo mais fragmentado do que globalizado, papel das Nações Unidas é posto em xeque até por quem exerce funções de destaque na entidade

Criada há quase 80 anos, no contexto do pós-guerra traumatizado pelo lançamento de bombas atômicas pelos Estados Unidos sobre o Japão, e do ímpeto expansionista e de limpeza étnica dos nazistas alemães, a Organização das Nações Unidas (ONU) surgiu para substituir a Liga das Nações. O objetivo primordial, a partir dali, seria prevenir outros conflitos de grandes dimensões, e buscar a resolução dos problemas através do diálogo diplomático e do compartilhamento de informações e saberes dos países membros. A ONU deveria ser uma entidade global voltada para o consenso e a paz, na premissa de que as lições da Segunda Guerra teriam sido compreendidas por todos, na expectativa de uma marcha coesa em direção ao futuro menos violento e assustador para as populações.
Estamos no futuro imaginado em 1945 – mas apenas no tempo decorrido, não no mundo sonhado. As reuniões de cúpula, os trabalhos de pesquisa e análise, as recomendações de especialistas e até as decisões da Assembleia Geral têm pouca valia prática para a civilização global e os países que integram a organização. Seja em relação ao armamentismo em crescimento acelerado, seja nos alertas para a crise ambiental e climática, ou ainda, nas metas para o cumprimento de direitos humanos universalizados de educação e saúde, a ONU contabiliza mais derrotas que vitórias. Exemplo recente foi a pandemia de Covid, quando, cinco anos atrás, a entidade se colocou a favor da distribuição democrática das vacinas, levando em conta a demanda dos países pobres – em posição sensata que nem foi considerada pelas potências mundiais.
Em entrevista à Exame, a Coordenadora Residente da ONU no Brasil, Silvia Rucks, expressou preocupação com o destino da entidade. Se a Terceira Guerra Mundial foi evitada graças aos esforços da ONU, em sua visão, os desafios agora são complexos e exigem muito mais capacidade de diálogo. E compartilha a responsabilidade pelo enfrentamento das crises em curso – humanitária, ambiental e climática – com as empresas, que precisam se posicionar por um mundo melhor para as atuais e próximas gerações. O comprometimento das corporações é fundamental para que os governos participem do processo, e o engajamento motive a sociedade como um todo.
Passadas quase oito décadas da fundação, a ONU tem na representante brasileira um exemplo da atitude original. “Atuar na ONU significa que você tem que levantar todos os dias para trabalhar com esperança”, diz. Silvia Rucks postula o reconhecimento da diversidade na Amazônia, a fim de se tratar os problemas sem perspectivas parciais. “Qualquer solução climática precisa considerar essa diversidade”, sustenta, no horizonte da Conferência da ONU para as Mudanças Climáticas, em novembro, em Belém do Pará.
O evento no Brasil será mais um instante digno do valor institucional construído pelas Nações Unidas ao longo de 80 anos. Mas como tantos outros encontros nas últimas décadas, a participação social e política deve demonstrar maior eficácia, pois nem os líderes mundiais, nem as populações, acreditam como antes no poder conciliatório de um organismo global.