Onda autoritária
Estudo da Anistia Internacional mostra como países do continente apresentam cenários de negação dos direitos, em governos de restrição à liberdade

Apesar de tanta história de lutas, de tantos belos discursos inflamados por líderes que pareceram – alguns ainda parecem – dedicados à promessa eterna da libertação, a América Latina experimenta um período de agravamento do autoritarismo. A democracia é amassada pela força de ditadores populistas, cada vez mais pressionada pela supressão dos direitos humanos – cuja pauta de restauração, via de regra, apenas serve para alçar e manter lideranças autoritárias no poder. Se o verniz democrático passa por eleições fajutas, que nem os governos ditatoriais fazem questão de comprovar, o estrangulamento das liberdades ameaça a cidadania, e dificulta ainda mais o estabelecimento de condições mínimas para o desenvolvimento das nações.
De acordo com relatório da Anistia Internacional, divulgado este ano, sete países se destacam na atual onda autoritária no continente: Venezuela, Cuba, Haiti, El Salvador, Nicarágua, Colômbia e México. Para a entidade, em outro documento relacionado à questão, a posse de Donald Trump ampliou o problema, acentuando a identificação e o compartilhamento da retórica nacionalista que está na base de comportamentos tipicamente autoritários, que reforçam a violação dos direitos humanos através da normalização da violência e da exclusão. Em artigo publicado no Mediatalks, do UOL, o professor Nicolas Forsans, do Centro de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Universidade de Essex, nos Estados Unidos, analisa as ameaças à sociedade e à imprensa nesses países.
A guerra das gangues no Haiti gerou um Estado falido, no qual a vontade coletiva se põe em último lugar. Na Nicarágua, a repressão à liberdade de expressão e aos meios de comunicação tem sido a marca de Daniel Ortega. O aprisionamento de opositores continua firme na Venezuela, após uma eleição contestada dentro e fora do país, no ano passado. A militarização da segurança no México trouxe mais prejuízos do que ganhos à defesa da liberdade, como era de se esperar. Os grupos armados na Colômbia seguem com relevância nos destinos coletivos, deixando o país com medo. Em Cuba, a dissidência e a crítica ao regime continuam sendo considerados crimes passíveis de repressão inclemente. E o Estado de Emergência em El Salvador, desde 2022, já prendeu mais de 80 mil pessoas sob a alegação de manutenção da ordem – com a bênção de Trump.
Tanto o relatório da Anistia Internacional quanto o detalhamento do professor de Essex iluminam a situação em países nos quais, em sua maioria, o obscurantismo ou a instabilidade são dominantes há algum tempo. Mas vale recordar que no Brasil e na Argentina, para ficar apenas nos dois maiores da América do Sul, os movimentos de extremismo e radicalização, bem como de enfraquecimento das instituições democráticas, já podem ser observados nos últimos anos. O desafio nas democracias que buscam se aperfeiçoar e manter a cidadania ativa e crítica, sem se desfazer dos preceitos democráticos, é não embarcar na onda autoritária navegada por lideranças e governos que não se importam com o interesse coletivo, mas apenas na própria perpetuação no poder.