Pesquisa para todos: Por que o PIBIC não pode excluir a EAD
Decisão de vedar a concessão de bolsas a discentes matriculados em cursos de educação a distância (EAD), expressa no art. 10 do normativo, preocupa
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A publicação da Portaria CNPq nº 2.539/2025 trouxe avanços relevantes ao atualizar os critérios dos programas institucionais de iniciação científica e tecnológica e ao reafirmar a importância da formação de estudantes em atividades de pesquisa e inovação. No entanto, um ponto específico do texto gerou preocupação legítima entre instituições de ensino, alunos e entidades do setor educacional: a decisão de vedar a concessão de bolsas a discentes matriculados em cursos de educação a distância (EAD), expressa no art. 10 do normativo.
De acordo com o Censo da Educação Superior 2024, essa restrição afeta diretamente mais de 5 milhões de estudantes em todo o país. Além disso, reacende um debate que precisa ser conduzido com serenidade, responsabilidade e rigor técnico: o preconceito contra um formato de ensino que, nos últimos anos, se tornou essencial na democratização do acesso à graduação no Brasil.
A educação superior brasileira é organizada com base em um tripé amplamente reconhecido: ensino, pesquisa e extensão. A pesquisa, em particular, é um elemento estruturante da formação universitária e desempenha papel fundamental na construção do pensamento crítico, na inovação científica e tecnológica e na preparação de profissionais capazes de contribuir para o desenvolvimento nacional.
Dessa forma, impedir que estudantes de cursos EAD participem de programas de iniciação científica significa, na prática, fragilizar esse tripé para uma parcela expressiva da comunidade acadêmica, justamente em um país cuja expansão do acesso ao ensino superior se deu, em grande medida, pela ampliação das oportunidades de estudo não presenciais.
É importante destacar que o Brasil evoluiu significativamente ao adotar, em sua legislação educacional, o princípio da não discriminação entre formatos de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelece que o ensino presencial e o ensino a distância têm igual validade jurídica, e essa equivalência é reafirmada nas normas que regem a emissão de diplomas no país, que vedam qualquer menção à modalidade cursada.
Esse arcabouço emerge do entendimento de que a qualidade de um curso não é determinada por seu formato operacional, mas pelas condições de oferta, pela estrutura pedagógica, pela qualificação do corpo docente e pela capacidade institucional de assegurar uma aprendizagem efetiva. Ao excluir estudantes da EAD das bolsas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), o CNPq cria uma distinção entre modalidades que a própria legislação não admite.
O dispositivo também desconsidera a realidade contemporânea da educação superior brasileira. Em 2025, o formato a distância ganhou um novo marco regulatório com avanços significativos em regulação, avaliação e exigências de qualidade. Inclusive, a mudança na nomenclatura de “modalidade” para “formato”, adotada pelo Ministério da Educação (MEC), traz uma nova premissa para essa oferta. Há que se considerar, ainda, a regulamentação do formato semipresencial, praticamente acabando com a dicotomia entre presencial e a distância existente até então. Portanto, a vedação do CNPq se mostra em descompasso com o que vem sendo adotado pelo órgão regulador das políticas educacionais no país.
A reação pública à restrição, incluindo manifestações de entidades estudantis e de instituições acadêmicas, evidencia que esse não é apenas um debate operacional, mas pedagógico e científico. A União Nacional dos Estudantes (UNE), por exemplo, solicitou a revisão da regra por entender que a iniciação científica deve ser acessível a todos os estudantes, independentemente da modalidade de ensino, e por reconhecer a importância do PIBIC para a formação profissional e acadêmica dos jovens brasileiros.
Essa posição converge com o entendimento de que a pesquisa é, por natureza, uma atividade inclusiva, colaborativa e orientada para o desenvolvimento social. Por isso, não devem ser criadas barreiras que restrinjam a participação de estudantes regularmente matriculados em cursos autorizados e avaliados pelo MEC.
A formação científica exige diversidade de olhares, realidades e trajetórias. Os estudantes da modalidade EAD, em sua maioria trabalhadores, mães, pais e pessoas que retornam à universidade após anos afastados, trazem repertórios que enriquecem o ambiente acadêmico e ajudam a aproximar a pesquisa das demandas concretas da sociedade brasileira. Ao restringir o acesso dessa população às bolsas, corre-se o risco de limitar a democratização da ciência, um objetivo reiteradamente defendido pelo próprio CNPq e por órgãos públicos de fomento.
Uma revisão do dispositivo não significaria fragilizar os critérios de qualidade dos programas de iniciação científica. Pelo contrário, permitiria que a seleção dos bolsistas fosse guiada pelos mesmos parâmetros aplicados aos estudantes do presencial: mérito acadêmico, aderência aos projetos, capacidade institucional de pesquisa e acompanhamento qualificado por orientadores.
O Brasil tem um compromisso histórico com a construção de uma ciência forte, plural e socialmente referenciada. A pesquisa de iniciação científica é um dos caminhos mais eficazes para despertar vocações, fortalecer competências e integrar estudantes às redes acadêmicas e científicas. Em um país marcado por desigualdades profundas, preservar esse espaço de formação requer compromisso com a inclusão e com a valorização das diferentes trajetórias educacionais.
Ao olhar para o futuro, é fundamental que as políticas de fomento estejam alinhadas aos princípios constitucionais de igualdade e não discriminação. A discussão sobre o papel da EAD na pesquisa precisa ser conduzida com base em evidências, diálogo e escuta ativa das instituições, dos estudantes e da comunidade científica. Nesse cenário, a revisão da portaria pelo CNPq seria um passo importante para fortalecer a pesquisa no país e reafirmar o compromisso com a integração plena entre ensino, pesquisa e extensão, independentemente da modalidade em que o estudante esteja matriculado.
A ciência brasileira só tem a ganhar quando mais pessoas podem participar dela.
*Janguiê Diniz, Diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), secretário-executivo do Brasil Educação – Fórum Brasileiro da Educação Particular, fundador e controlador do grupo Ser Educacional, e presidente do Instituto Êxito de Empreendedorismo.