A negociação penal (2)
Hoje, vamos tratar da transação penal, implementada no Brasil, pela primeira vez, com o advento da aprovação da Lei Federal nº 9.099, de 1995.
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A negociação penal – como já vimos na semana passada – é uma exaltação à autonomia da vontade, onde o infrator da lei penal, juntamente com o seu defensor, celebram com o Estado um acordo escrito, evitando a instauração ou o prosseguimento de uma ação penal e até da execução da uma pena.
Trata-se, com efeito, de uma das maiores inovações do Direito Penal nos últimos séculos, propiciando uma significativa redução no número de processos criminais e pacificando eventuais conflitos penais de pequena potencialidade, por conseguinte, evitando a impunidade e trazendo de volta a paz social entre os que se envolvem em pequenos conflitos, com a obrigatória participação ativa do Ministério Público e dos órgãos do Poder Judiciário.
Hoje, vamos tratar especificamente da transação penal, que aliás foi implementada no Brasil, pela primeira vez, com o advento da aprovação da Lei Federal nº 9.099, de 1995, que criou os Juizados Especiais Criminais e trouxe enormes avanços na esfera penal e processual penal. Foi a Lei 9.099/1995 quem estabeleceu: “Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade” (art. 72).
E, mais: “A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente” (art. 74). Finalmente: “Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação o acordo homologado acarreta renúncia ao direito de queixa e de representação” (art. 74).
Caso não haja a possibilidade do acordo, antes da instrução criminal, nova tentativa de conciliação deverá ser promovida pelo juiz e pelas partes (art. 79). Antônio Scarance Fernandes afirma sobre as bases para a transação penal (Juizados especiais criminais, 2005, p. 48):
“Todas as contravenções e crimes cuja pena máxima seja igual ou inferior a 2 (dois) anos, são da competência dos juizados especiais criminais. Se o autor do fato vem a aceitar a pena, proposta pelo Ministério Público (nunca pode ser privativa de liberdade), encerra-se o caso imediatamente sem a necessidade da colheita de provas (art. 76). A aplicação consensual da pena não gera reincidência nem antecedentes criminais. Trata-se da figura jurídica da transação penal.
Como se nota, nos procedimentos relativos aos crimes de menor potencial ofensivo – aqueles em que a pena máxima fixada na lei seja igual ou inferior a 2 (dois) anos – haverá sempre a possibilidade de um acordo entre o Ministério Público e o acusado da infração penal. Homologado pelo juiz, o acordo poderá ser exigido, se não cumprido, mediante execução numa Vara Cível competente. Como se nota, a transação penal, nos Juizados Especiais Criminais, só gera efeitos jurídicos depois de devidamente homologada pelo magistrado. Sabe-se, por oportuno, que a transação penal, como é evidente, exige do autor do fato o cumprimento de todas as condições fixadas no acordo.
Se de fato cumpridas, cabe ao mesmo juiz declarar a extinção da punibilidade do infrator, arquivando-se os autos do processo.
Como se observa, o princípio da autonomia da vontade está deveras presente no modelo de transação penal adotado no Brasil. De efeito, o procedimento exige a realização de uma audiência prévia de conciliação, quando as partes, apoiadas por um conciliador ou pelo próprio juiz, discutem e negociam um acordo que evitará o início do processo penal.
A proposta de aplicação de pena não privativa de liberdade, feita pelo titular da ação (Ministério Público ou ofendido), implica na sua renúncia a pretensão punitiva, ou seja, o Estado ou o ofendido desistem de descobrir se o autor do fato é ou não culpado pelos fatos ocorridos, contentando-se com a aplicação de uma pequena sanção, que obrigatoriamente deve constar expressamente do acordo.
Por outro lado, o acusado aceita as condições estabelecidas, obtendo como vantagem com a não instauração do processo e a manutenção da sua primariedade. Assim, a livre manifestação de vontade prevalece sobre qualquer interesse do Estado em perseguir um provável infrator da lei penal, evitando-se o acionamento da máquina judiciária na apuração de pequenos delitos praticados por pessoas sem antecedentes criminais. Celebrada e efetivamente cumpridas as condições contidas no acordo, caberá ao juiz mandar arquivar o processo, sem qualquer registro nos antecedentes do infrator.
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, professor, advogado do escritório Frutuoso Advocacia, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)