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Como a Caatinga se tornou um laboratório natural de inovação biológica

É essencial conservar a biodiversidade ainda existente, porque cada espécie tem funções no ecossistema que são insubstituíveis.........

Por ANA MARIA BENKO-ISEPPON Publicado em 25/11/2025 às 0:00 | Atualizado em 25/11/2025 às 11:08

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A Caatinga brasileira figura entre as mais ricas e diversas regiões semiáridas do planeta. Trata-se da mais importante Floresta Tropical Sazonalmente Seca (FTS) das Américas, apresentando altos níveis de endemismo, ou seja, espécies que ocorrem exclusivamente nesse bioma. Mas como a Caatinga surgiu? Há fortes evidências científicas de que a Mata Amazônica e a Mata Atlântica já foram um dia uma extensa floresta úmida, da qual a Caatinga emergiu após sucessivos eventos de mudanças climáticas ao longo de milhões de anos. Propõe-se que esse fenômeno de savanização e aridificação se deu há cerca de 10 milhões de anos (isto é, desde o Mioceno/Plioceno). Após esse período, houve persistência de ilhas florestais que conectavam as duas matas, as quais provavelmente desapareceram no pleistoceno, há apenas cerca de 20.000 anos.

Nesse processo muitas espécies foram extintas enquanto uma fração se adaptou às novas condições ambientais, as quais hoje povoam a diagonal seca que compreende a Caatinga e o Cerrado. São ambientes vulneráveis devido à intervenção humana e a eventos climáticos extremos. Nesse processo, genes existentes nos ancestrais deram origem a novos genes com capacidades diferentes. Genomas se expandiram e depois se retraíram, selecionando características que permitiam uma adaptação gradual a essas novas condições.

Estudos do grupo do departamento de Genética da UFPE têm mostrado que muitas das espécies sobreviventes desenvolveram capacidades únicas que refletem processos moleculares exclusivos de nossa biota. Por exemplo, o Laboratório de Genética e Biotecnologia Vegetal da UFPE sequenciou o genoma de 11 plantas da região Nordeste do Brasil, comparando-as a plantas relacionadas de outros biomas (Mata Atlântica, Mata Amazônica). Por exemplo, houve nas plantas da caatinga uma expansão clara de genes associados à defesa vegetal contra patógenos e pragas, os quais têm um enorme leque de aplicações, por exemplo no desenvolvimento de novos fármacos e na defesa vegetal.

Fica claro que é essencial conservar a biodiversidade ainda existente, porque cada espécie tem funções no ecossistema que são insubstituíveis. Tanto as macroespécies (plantas, fungos, animais) como a microbiota (bactérias, fungos, protistas, microalgas, etc.) são fontes de moléculas com aplicações potenciais via bioprospecção, ou seja, a busca por compostos com potencial uso - como fármacos, cosméticos, biodefensivos agrícolas, enzimas industriais e biomateriais.

A bioeconomia moderna depende da diversidade biológica para gerar inovação — por exemplo, enzimas de microrganismos extremófilos para biotecnologia, metabólitos secundários de plantas medicinais, ou genes de resistência para melhoramento de cultivos agrícolas. Sem conservação, esse capital natural é perdido antes mesmo de ser conhecido.

Todos os biomas são igualmente importantes e ainda podemos reverter esse cenário. Mas é necessário um esforço conjunto e contínuo entre a população, o poder público e o setor privado, integrando educação ambiental, políticas eficazes e investimentos sustentáveis para proteger e valorizar os recursos naturais.

Ana Maria Benko-Iseppon, UFPE/CB/Genética, membro da Academia Pernambucana de Ciências

 

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