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Belém no coração da luta climática: por que a COP-30 na Amazônia deve ser mais que símbolo?

Se há um momento histórico para redefinir o rumo da política ambiental mundial, esse momento é agora.............................................

Por PRISCILA LAPA E SANDRO PRADO Publicado em 17/11/2025 às 0:00 | Atualizado em 17/11/2025 às 7:02

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A realização da COP-30 em Belém tem um significado que transcende a diplomacia ambiental e toca o centro das disputas econômicas, sociais e geopolíticas do século XXI. Hospedar a maior conferência climática do planeta no coração da Amazônia não é apenas um gesto simbólico. É uma afirmação política e científica: não há solução para a crise climática sem a floresta, sem seus povos e sem um novo modelo de desenvolvimento que substitua a lógica predatória que marcou a região ao longo das últimas décadas. Belém, com sua história marcada pela borracha, pelos rios, pelo extrativismo tradicional e pela força de suas populações indígenas, ribeirinhas e urbanas, representa uma Amazônia real e complexa, que permanece viva, mas está ameaçada.

A capital paraense não é apenas porta de entrada para a floresta; é também o retrato de uma metrópole amazônica que convive com desigualdades estruturais, pressões urbanas e transformações ambientais profundas. Ao receber chefes de Estado, diplomatas, cientistas e organizações de todo o mundo, Belém expõe ao olhar global um território onde a abundância da natureza contrasta com a vulnerabilidade econômica da população local. Mas é justamente nessa contradição que reside a força simbólica da escolha: a Amazônia deve falar por si, e só pode fazê-lo quando colocada no centro das decisões internacionais.

A discussão central que atravessa a conferência é a disputa entre dois modelos de futuro para a região. De um lado, está o projeto que avança com velocidade: a expansão da fronteira agrícola, caracterizada pela pressão da pecuária extensiva, da soja e da exploração madeireira ilegal ou predatória. Esse modelo, historicamente dominante, vê a floresta como obstáculo ao crescimento econômico e a terra como recurso infinito. Do outro lado está a bioeconomia: uma proposta que articula ciência, tecnologia, conhecimento tradicional e sustentabilidade, apostando na sociobiodiversidade como ativo estratégico capaz de gerar renda e, simultaneamente, preservar o bioma. O embate entre esses dois caminhos não é teórico; ele se manifesta diariamente em conflitos territoriais, desmatamento, queimadas e pressões sobre comunidades indígenas e ribeirinhas.

Os defensores da floresta em pé têm argumentos econômicos sólidos. Estudos de instituições brasileiras, como os do PPAD da Universidade da Amazônia, e internacionais mostram que o valor dos serviços ecossistêmicos, como armazenamento de carbono, ciclagem de água, manutenção da biodiversidade e regulação climática supera amplamente, no longo prazo, o retorno econômico das atividades predatórias. A lista de produtos que podem ser obtidos de forma sustentável da floresta é vasta: açaí, castanha-do-pará, óleos como andiroba, copaíba e buriti, essências aromáticas, fibras, látex, mel, sementes, frutos e resinas, além de potencialidades ainda pouco exploradas em biotecnologia, farmacologia, cosmética, química verde e agricultura de base florestal. Esses itens compõem cadeias produtivas que podem gerar valor agregado, emprego local, autonomia econômica e protagonismo para as populações tradicionais. É a economia amazônica que emerge não da destruição, mas da preservação.

Nada disso é possível sem reconhecer o papel central dos povos indígenas, que historicamente mantêm e protegem a floresta. Suas terras são, de maneira comprovada, as áreas mais preservadas da Amazônia. Não se trata de romantizar sua relação com a natureza, mas de reconhecer que seus sistemas de manejo, seus conhecimentos milenares e suas práticas coletivas constituem tecnologias sociais indispensáveis para qualquer projeto sério de conservação. A presença indígena na COP-30, nas mesas de debate, nas manifestações e nas intervenções públicas, reforça que não é viável discutir a Amazônia sem incluir quem a habita e a sustenta. Eles não são personagens periféricos desse processo; são protagonistas ambientais, econômicos e políticos.

Ao mesmo tempo, a conferência evidencia contradições que precisam ser enfrentadas. Embora se comemore a criação e ampliação de fundos de conservação como o Fundo Amazônia e iniciativas internacionais destinadas a remunerar países que mantêm florestas, há críticas consistentes de que os recursos ainda são insuficientes, lentos, burocráticos e desiguais na distribuição. Outro ponto sensível é a incoerência entre o discurso da preservação e a aprovação de grandes obras de infraestrutura que estimulam o avanço da fronteira agrícola e criam corredores para a exploração ilegal. A COP-30 expõe essas ambiguidades com clareza: ao mesmo tempo em que o Brasil se afirma como líder ambiental, precisa enfrentar internamente lobbies poderosos, que dominam o Congresso e o Senado e resistem a qualquer mudança em práticas predatórias historicamente enraizadas que dão lucros significativos no curto prazo.

Mas é diante dessas tensões que a conferência pode ser uma virada. Belém oferece ao mundo a oportunidade de abandonar a retórica e assumir compromissos efetivos: ampliar o financiamento para a conservação, profissionalizar cadeias da sociobiodiversidade, fortalecer a governança dos países amazônicos, criar mecanismos de fiscalização integrados, promover inovação tecnológica voltada para a floresta em pé e garantir segurança jurídica para terras indígenas e unidades de conservação. O desafio é conciliar justiça climática, desenvolvimento econômico e respeito às populações tradicionais, construindo um novo paradigma que supere a visão extrativista e coloque a Amazônia como protagonista de uma economia global capaz de inovar sem destruir.

O futuro climático do planeta passa inevitavelmente pela Amazônia. Se há um momento histórico para redefinir o rumo da política ambiental mundial, esse momento é agora. Se há um lugar capaz de revelar ao mundo a urgência e a grandeza desse desafio, esse lugar é Belém. Que a COP-30 seja lembrada não como um evento, mas como o ponto de inflexão em que a humanidade finalmente compreendeu que proteger a floresta não é um gesto de generosidade e sim uma condição de sobrevivência da humanidade no planeta Terra.

Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da Universidade da Amazônia (UNAMA).

 

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