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Um jornal de 200 anos

O Diario dem Pernambuco e o Jornal do Commercio estarão sempre presentes na história de resistência da imprensa brasileira...........

Por IVANILDO SAMPAIO Publicado em 16/11/2025 às 0:00 | Atualizado em 16/11/2025 às 9:07

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O Diario de Pernambuco acaba de completar 200 anos, comemorados com um amplo e justo calendário festivo, que culminou com uma recepção no Teatro Santa Isabel, na qual estiveram presentes representantes dos Três Poderes, empresários, jornalistas e nomes expressivos da sociedade pernambucana. O Diario de Pernambuco é o jornal mais antigo da América Latina com circulação ininterrupta, a não ser por algumas poucas greves de gráficos ou de jornalistas, que impediram a impressão, mas nunca por uma decisão empresarial.

Segundo o jornalista carioca Cícero Sandronni, recentemente falecido, mas "imortal" da Academia Brasileira de Letras e ex-repórter do jornal Correio da Manhã e da Revista Manchete, o JORNAL DO COMMERCIO do Rio de Janeiro, ( e não o de Pernambuco, que tem "apenas" 107 anos) era mais antigo do que o DP, mas deixou de circular por alguns períodos, voltando sempre com o mesmo nome, mas com nova direção Cícero publicou um livro contando a história do jornal carioca, que integrava a cadeia dos Diarios Associados , assim como o DP, comandada por Assis Chateaubriand.

Estive rapidamente no Teatro Santa Isabel nessas comemorações dos 200 anos do DP, assim como também estive quando o jornal comemorou 150 anos e eu fazia parte de sua Redação. Encontrei, agora, 50 anos depois, alguns poucos sobreviventes, quase todos aposentados e saudosistas, conscientes de que os jornais impressos que ainda sobrevivem, mais dias Ou menos dias serão apenas um capítulo da história. E por várias razões, entre as quais os Custos de produção; a expansão da comunicação digital, que provocou a queda do número de leitores e anunciantes; o pouco apelo que esses jornais sobreviventes exercem sobre o público jovem, muito mais afeito às mídias digitais e redes sociais do que ao texto impresso, por mais qualidade que este último apresente.

Mas, para a minha geração, como eram cativantes as redações de antigamente. Havia mais fraternidade, companheirismo, sonhos e esperança - e um sentimento de dever para com a sociedade e o bem comum. Fiz parte da Redação do Diario de Pernambuco em duas ocasiões distintas, em ambas a convite do jornalista Lúcio Costa, um dos profissionais mais brilhantes de sua geração. Na primeira vez, de volta a Pernambuco depois de ficar quase sete anos fora do Estado, cheguei no Diario de Pernambuco para substituir, na função, O jornalista e escritor Raimundo Carreiro, que trabalhava o seu primeiro romance, "Bernarda Soledade, a Tigre do Sertão". Segundo ele mesmo, aquele seria "o primeiro romance armorial da literatura Brasileira". Com alguns remanejamentos internos, me coube a tarefa de editar a primeira página e, por iniciativa própria, passei a escrever, também, , uma crônica semanal, com o título de "As antimemórias", publicada num suplemento dominical, produzido e editado por Og Marques Fernandes, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal.

Na segunda vez em que trabalhei no Diario de Pernambuco voltei relutante, pois tinha uma filha recém-nascida e não queria repetir madrugadas na redação. Mas, diante dos apelos de Lúcio, assumi a Editoria de Economia. Na Redação do Diario, como em toda as Redações, havia grandes profissionais, como Selênio Homem de nSiqueira, dono de um texto primoroso, João Alberto Sobral, colunista prestigiado, Leda Rivas, Eliomar Teixeira, Paulo Maurício, Wilson Soares, Adonias Moura, José Danda Neto, nLino Rocha, Cleofas Reis e outros mais. Como articulistas, la estavam Ariano Suassuna, Artur Carvalho, Mauro Mota, Gilberto Freyre, Renato Carneiro Campos e outros intelectuais brilhantes, que ocupavam suas páginas de Opinião semanalmente.

Pois bem, foi como Editor de Economia que fiz parte da equipe que comemorou os 150 anos do Diario de Pernambuco, com noite de gala no Teatro Santa Isabel. Vale dizer que Lúcio Costa não ocupava o cargo maior da Redação - esse pertencia à jornalista Zenaide Barbosa, já falecida. Lúcio, porém, tinha autoridade para contratar e desligar qualquer profissional que, na sua avaliação, destoasse da equipe.

Pois bem, meio século depois, muito poucos daqueles que estiveram presentes no Teatro Santa Isabel nos festejos dos 150 anos, puderam testemunhar as comemorações dos 200 anos. Mas, posso dizer que aquela comemoração do Sesquicentenário, foi também uma bela festa. O Diario integrava a cadeia dos Diarios Associados, um conglomerado de jornais, rádios e televisão, geridos por um "Condominio" criado pelo fundador Assis Chateaubriand.

Naquela ocasião, esse Condomínio tinha como presidente o jornalista Paulo Cabral, que era também o principal executivo do Correio Brasiliense. Para os festejos do DP, além de Paulo Cabral estiveram presentes diretores de outros veículos do Sistema, assim como toda a cúpula local dos Diarios Associados: Nereu Bastos, Antonio Camelo, Gladstone Vieira Belo, Joezil Barros e nomes expressivos da Redação, como os editorialistas Arnoldo Jambo e Potiguar Matos, entre outros. Todos já eram profissionais veteranos - e não se esperava que qualquer um deles pudesse estar presentes 50 anos depois. E nos seus 150 anos o DP dominava o mercado local, uma vez que o Jornal do Commercio estava mergulhado numa crise que se arrastava há nos. Crise que só seria superada alguns anos depois, quando o Sistema Jornal do Comercio, com o jornal, uma televisão e uma rede de emissoras de radio foi adquirido pelo Empresário João Carlos Paes Mendonça, que recuperou aquela massa falida e mudou a história da Imprensa em Pernambuco.

O Diario também enfrentou suas crises - mas se manteve de pé, lutando bravamente contra seus próprios problemas internos e contra as incertezas de um mercado que encolhe a cada dia. Mudou-se de sua sede histórica da Praça da Independência, a mesma onde a Polícia de Pernambuco assassinou o jovem estudante de Direito Demócrito de Souza Filho. que lutava contra a Ditadura de Getúlio Vargas, saindo do centro para a periferia da capital. Trocou seu formato "standard" para o modelo "tablóide". Diminuiu o número de cadernos. E assim chegou aos 200 anos.

Quando, vitimado pelas mudanças tecnológicas que nos cercam e nos ameaçam o DP deixar de circular, o que fatalmente irá acontecer, ele, assim com o o JORNAL DO COMMERCIO, estarão para sempre na história Da Imprensa brasileira. Selênio Homem de Siqueira, que também era presença semanal no Suplemento editado por Og Marques Fernandes, pulicou, certa vez, uma crônica antológica, com aquele talento que Deus lhe deu.. Relatava a presença semanal, sempre nas noites das sextas feiras, de jornalistas do Diario de Pernambuco e do Jornal do Commercio que, como ovelhas desgarradas, iam se encontrar no Beco do Marroquim, no centro do bairro, local desaconselhado para menores, onde costumavam aparecer sem aviso "as pastoras da noite".

Ali não havia concorrência, não se disputava a paternidade da informação, a cerveja era comum e abençoada. Lamentei, comigo mesmo, que os discursos oficiais, há 50 anos e agora, não se fizesse uma única referência àquela legião de desgarrados, que anonimamente produziam as noticias, do dia seguinte, e a quem Selênio, com propriedade, chamava de "Os Irmãos do Beco".

Ivanildo Sampai,  jornalista

 

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