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PEC da Reforma Administrativa (PEC n° 38/2025) e a inconstitucionalidade das propostas de centralização no controle externo

Proposta compromete a autonomia dos Tribunais de Contas e transfere competências legislativas dos entes federativos subnacionais para a União

Por Paulo Roberto Fernandes Pinto Junior Publicado em 06/11/2025 às 5:00

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Apresentada sob o discurso de modernização da administração pública, a Proposta de Emenda à Constituição nº 38/2025 revela, em verdade, uma tendência preocupante de centralização do poder na esfera federal. Sob o pretexto de tornar o sistema mais eficiente, a proposta altera profundamente a arquitetura constitucional da Federação brasileira, fragilizando a autonomia dos Estados e Municípios e ferindo o pacto federativo firmado pela Constituição de 1988.

Embora possua dispositivos de caráter concentrador em várias áreas, a presente análise será concentrada nas modificações que afetam o sistema de controle externo da Administração Pública.

A Constituição atribui a cada ente federativo a competência de fiscalizar, por meio de seu Poder Legislativo e do respectivo Tribunal de Contas, a aplicação dos recursos públicos. Essa descentralização é uma expressão concreta da forma federativa de Estado, protegida como cláusula pétrea pelo art. 60, § 4º, inciso I.

A PEC, no entanto, rompe com essa lógica. O novo § 6º do art. 71 autoriza o Tribunal de Contas da União a editar súmulas com efeito vinculante sobre os Tribunais de Contas subnacionais — uma inovação que cria subordinação hierárquica entre órgãos que, pela Constituição, devem ser autônomos.

Já o parágrafo único do art. 29 transfere ao TCU a competência para definir e calcular limites de despesas municipais, interferindo diretamente na organização administrativa dos Municípios e retirando atribuições que seriam das Cortes de Contas subnacionais.

A proposta vai mais além ao incluir, no art. 22, XXXV, a competência privativa da União para legislar sobre as atividades e processos dos Tribunais de Contas. Essa alteração suprime a prerrogativa dos Estados de disciplinarem, por lei própria, o funcionamento de suas Cortes de Contas, comprometendo o princípio da auto-organização federativa. A criação da citada competência privativa da União implicaria, na prática, por exemplo, o poder de definir o rito processual e prazos internos, disciplinar regras de julgamento e instrução, fixar modelos de auditoria e de responsabilização e limitar a autonomia decisória das Cortes de Contas subnacionais.

Em conjunto, tais medidas instituem um modelo verticalizado de controle externo, incompatível com o federalismo cooperativo consagrado pela Carta de 1988. O resultado seria a transformação dos Tribunais de Contas subnacionais em meros executores das diretrizes do TCU, que passaria a ser um verdadeiro “Tribunal de Contas da Federação”, figura estranha à Constituição.

O Supremo Tribunal Federal já advertiu, ao julgar a ADI 939/DF, que o pacto federativo não se preserva apenas formalmente: é preciso garantir as condições materiais de autonomia dos entes federados. Subordinar os órgãos de controle locais a um órgão federal é violar a essência desse pacto.

Reformas administrativas são necessárias, mas devem fortalecer a cooperação institucional, não instaurar relações de comando. A PEC n° 38/2025, ao concentrar competências na União, não moderniza o Estado — regride ao centralismo que a Constituição de 1988 expressamente rejeitou. O aprimoramento do controle externo deve nascer do diálogo federativo, e não da imposição hierárquica.

Paulo Fernandes Pinto é Procurador da Assembleia Legislativa de Pernambuco, ex-Procurador do Ministério Público de Contas do TCE/PE e advogado especialista em Direito Público e Eleitoral

 

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