Sérgio Gondim: Incluir é preciso, mas e o ensino básico?
Não é sobre a legalidade, direita, esquerda, elitismo ou preconceito. É sobre a coerência do sistema educacional do país
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A desigualdade e falta de oportunidade são vergonhosos, mas nossa dívida social não é gigante pela própria natureza. O acesso à educação básica de qualidade, fundamento da verdadeira democracia, indica que quanto mais pobre o bairro e mais desassistida a comunidade, melhor deveria ser sua escola, creche, biblioteca, quadra de esportes e posto de saúde.
Estamos longe disso. Entra século sai século, entra prefeito sai prefeito, ministro, presidente e não acontece a revolução na educação do país. Nesse cenário, todas as ideias e iniciativas para incluir quem nunca teve oportunidade merecem ser ouvidas, discutidas e, se razoáveis, implantadas.
Cada um por si
No Brasil é cada um por si, faz-se o que acha certo ou errado no seu quadrado, sem uma política geral compatível com o avanço do país para sair do atraso. Mesmo sem avançar no ensino básico, surge a proposta do salto para universidade com cota e acesso de estudantes procedentes de assentamentos rurais ao curso superior, sem notícia de cuidados para resolver as carências do ensino que precede a universidade.
Muitos estudantes esforçados lutam contra as adversidades de uma vida particularmente difícil e merecem ajuda no preparo para universidade, mas é estranha a exigência de ser assentado quando tantos outros, até sem assento algum, com muito esforço concluíram o ensino médio e não têm o benefício da vaga com acesso diferenciado.
Oferecer condições de igualdade na educação é o que tem retirado países do subdesenvolvimento, mas aqui o sistema perpetua a desigualdade, gera sensação de culpa e a busca de soluções como essa, compreensível do ponto de vista filosófico, mas estranha sob vários aspectos.
Violência
O Brasil está ocupado pelo crime com envolvimento de milhões de jovens sem escolaridade. É uma tragédia porque além de tudo envolve violência. Por outro lado, o prejuízo maior vem dos colarinhos brancos, sem disparar um tiro sequer, saindo dos bancos da universidade que acolhe a elite do país e devolve especialistas em golpes sofisticados e fraudes bilionárias.
Será que os que nunca tiveram assento, sendo bem formados desde o início, podem mudar esse quadro mostrando que a universidade forma cidadãos de verdade?
É louvável a preocupação e dedicação à nobre causa de diminuir desigualdades e corrigir injustiças sociais no limite das forças de cada um. Sonhar em universalizar a universidade pode até ser legal, mas se não houver razoabilidade pode virar pesadelo.
Todas as profissões são sensíveis, medicina talvez mais, com impacto imediato sobre a vida das pessoas o que demanda responsabilidade dos formadores públicos e privados.
A inclusão bem que poderia começar do começo, as portas se abrindo naturalmente e formando o doutor.
A sociedade estaria pagando sua dívida e recebendo troco.
Sérgio Gondim, médico