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A necessidade de fortalecimento da advocacia pública na Reforma Administrativa

É imperativo que o cidadão compreenda a dimensão do que está em jogo e, para isso, torna-se necessário desfazer um equívoco recorrente...

Por Ingrid Zanella, Fabiana Augusta e Ricardo Augusto Publicado em 06/10/2025 às 6:00

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Seguindo o conselho de José Saramago, “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”, é preciso ver e reparar bem os perigos contidos no primeiro texto da Reforma Administrativa. Em meio a um debate público frequentemente raso e maniqueísta sobre a Reforma Administrativa, uma ameaça silenciosa, porém de consequências devastadoras, paira sobre a espinha dorsal do Estado brasileiro: a proposta de desfigurar a Advocacia Pública por meio da estatização honorários advocatícios e encargos legais. A proposta de redução de encargos legais e de estatização dos honorários sucumbenciais ameaça não apenas a carreira de procuradores e advogados públicos, mas, sobretudo, a própria capacidade de o Estado arrecadar e financiar políticas sociais.

É imperativo que o cidadão compreenda a dimensão do que está em jogo e, para isso, torna-se necessário desfazer um equívoco recorrente. Honorários e encargos não são privilégios. Ao contrário: são verbas privadas que representam instrumentos de incentivo e desempenho, reconhecidos em lei e compatíveis tanto com o regime jurídico do subsídio quanto com o teto constitucional.

Muitos defendem a avaliação de desempenho como critério para remuneração variável no serviço público. Pois bem, os honorários cumprem exatamente essa função: só são pagos quando há resultado concreto para a administração, seja na recuperação de créditos, em vitórias judiciais ou em acordos, estimulando a cobrança eficiente de créditos e a defesa do patrimônio público.

Os números mostram de forma concreta o impacto dessa atuação. No município de Caruaru, em Pernambuco, antes da criação da procuradoria municipal, a arrecadação de dívida ativa girava em torno de R$ 300 mil reais por ano. Após a estruturação da carreira, em 2019, esse valor saltou para mais de R$ 30 milhões apenas no ano de 2024.

No âmbito do município do Recife, desde a vigência do Código de Processo Civil, que ratificou a instituição dos honorários para os advogados públicos, a arrecadação de responsabilidade da Procuradoria do Município praticamente triplicou.

No plano federal, a Advocacia-Geral da União tem obtido resultados expressivos: só em 2024 evitou perdas de R$ 724 bilhões de reais, elevou a taxa de sucesso judicial para 72% e, entre 2020 e 2024, recuperou mais de R$140 bilhões para os cofres públicos. Além disso, o modelo de honorários como incentivo estimulou a conciliação: de 2020 a 2025, mais de R$ 100 bilhões foram obtidos em acordos, sendo R$ 42 bilhões apenas em 2023. No total, em vitórias, acordos e recuperação de créditos, a AGU contribuiu para que a União arrecadasse R$ 244 bilhões no período, recursos destinados à implementação de políticas públicas.
Vale a pena esclarecer que a remuneração do advogado público é composta pelo subsídio pago pelo ente público, pelos honorários sucumbenciais - verba privada custeada pela parte vencida em juízo sem impacto para o contribuinte, e, em alguns casos, pelas verbas indenizatórias comuns a qualquer trabalhador (auxílio alimentação, auxílio saúde etc.).

Há, ainda, uma robusta base legal e de controle. A Lei 13.327/2016 estruturou os honorários advocatícios e criou o Conselho Curador dos Honorários, com atuação fiscalizatória. O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da União já reconheceram a compatibilidade dos honorários com o regime de subsídio e o total cumprimento ao teto constitucional. No âmbito das procuradorias estaduais e municipais, há regimes similares, sempre com transparência e da auditabilidade.

Outro ponto que merece atenção: é um contrassenso que a reforma administrativa proponha a individualização da remuneração por metas e produtividade, simplesmente porque é impossível fracionar o resultado de uma vitória judicial de 10 ou 20 anos entre cada procurador que atuou ao longo do tempo, incluindo aqueles já aposentados. Também não se pode mensurar a contribuição de núcleos especializados, como o previdenciário, que evitam o pagamento de bilhões em benefícios indevidos. Ao impor critérios de aferição individualizados, a reforma não apenas burocratiza (ao extremo), mas inviabiliza a divisão justa dos honorários, criando uma parametrização artificial, inaplicável e incongruente com a realidade do trabalho coletivo que sustenta a defesa do interesse público.

As críticas de que honorários seriam privilégios, de que oneram o orçamento público ou de que carecem de transparência não resistem aos fatos. Cortá-los não gera economia: ao contrário, desestimula o desempenho e reduz a capacidade de arrecadação. Os valores não concorrem com verbas de saúde ou educação, pois provêm de vitórias judiciais contra devedores. E hoje a transparência é absoluta, com dados abertos e de acesso livre.
O caminho, portanto, não está em reduzir ou estatizar os honorários, mas em reforçar mecanismos de desempenho, governança e clareza. Manter a integralidade desses instrumentos, evitando retroativos e ampliando a eficiência, é condição para fortalecer a advocacia pública. Fortalecer a advocacia pública significa aumentar a arrecadação, proteger o patrimônio coletivo e garantir recursos para os direitos sociais que a sociedade espera do Estado.

Ingrid Zanella, presidente da OAB-PE, Fabiana Augusta, diretora de Advocacia Pública, Ricardo Sampaio, presidente da Comissão de Advocacia Pública

 

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