Maria do Carmo Soares de Lima: Mártir ou extremista de direita?
Apoiador ferrenho do atual Presidente dos EUA, Kirk conseguiu apoiar o Presidente na última eleição angariando votos da população jovem

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No último 10 de setembro de 2025, o mundo vivenciou mais um ato violento na política: a morte do ativista Charlie J. Kirk, apoiador do então Presidente Donald J. Trump. O ataque, que consistiu num tiro certeiro na jugular, ocorreu quando Charlie estava respondendo a uma pergunta da plateia na Universidade de Utah, nos Estados Unidos.
Este não é um episódio isolado. O próprio presidente dos EUA já havia levado um tiro durante sua campanha, em julho de 2024. Só no primeiro semestre de 2025, foram cerca de 150 ataques motivados por questões políticas, conforme levantamento de O Globo.
Menos de um mês antes da morte de Kirk, uma refugiada ucraniana, Iryna Zarutska, foi morta em um metrô na cidade de Charlotte. O acusado desferiu golpes com um canivete contra Iryna, que morreu quase que instantaneamente no local. O crime brutal ganhou destaques nas redes sociais pela pouca repercussão dada pelos jornais. Com antecedentes criminais, o acusado já havia sido detido 11 vezes.
Voltando para a questão central da morte de Kirk, a motivação política foi confirmada em seguida com a descoberta da arma que desferiu o tiro, junto com cápsulas com palavras de cunho ofensivo, como: “Ei, facista! Pegue isso!”. Horas depois, o atirador foi preso e é acusado de homicídio qualificado e enfrenta acusações que incluem lesão corporal gravíssima e obstrução da justiça.
Diferente do caso de Iryna, o caso ganhou grande repercussão, discussão na mídia e, principalmente, nas redes sociais. Apoiador ferrenho do atual Presidente dos EUA, Kirk conseguiu apoiar o Presidente na última eleição angariando votos da população jovem. A divulgação do vídeo do momento do ataque logo correu na Internet e as cenas, embora chocantes, inspiraram comentários infelizes sobre a morte de Kirk.
A plataforma X, antigo Twitter, registrou muitas opiniões sobre a morte de Charlie, inclusive as que enaltecem a atitude do atirador. Diante de tais comentários, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou que o visto de estrangeiros que comemoraram a morte do ativista seriam revogados.
Claro que declarações de todos os tipos também foram feitas por alguns brasileiros e isso chegou ao conhecimento do secretário de Estado e do Presidente norte-americano, colocando o Brasil numa posição ainda mais delicada frente aos EUA. E é nesse sentido que este texto levanta a pergunta: Charlie Kirk (do ponto de vista brasileiro) foi um mártir ou um extremista de direita?
Para tentar responder esta indagação, foram coletados posts em língua portuguesa do X, considerando como palavra-chave “Charlie Kirk”. Da data de coleta, apenas 42 postagens (sem contabilizar respostas) foram localizadas. Este número pequeno de observações, apesar de inesperado, pode ser justificado pela escolha específica de uma única palavra-chave e/ou pela retirada dos posts por medo das medidas que serão impostas aos que celebrarem a morte de Charlie Kirk.
Com o intuito de identificar a polarização e os sentimentos nos posts, empregou-se a técnica de Análise de Sentimentos com o uso do dicionário NRC Emolex Lexicon, em sua versão para a língua portuguesa. O dicionário consiste em uma lista de palavras que são associadas a dois sentimentos (polarização positiva e negativa) e oito emoções (raiva, medo, expectativa, confiança, surpresa, tristeza, alegria e aversão). Uma visualização do que foi identificado nos posts pode ser vista abaixo.
Para entender o gráfico acima, é preciso ressaltar que os posts coletados foram publicados na plataforma entre os dias 10 e 22 de setembro, ou seja, são comentários acerca da morte de Kirk e de eventos que ocorreram após sua morte. Vamos começar analisando os oito sentimentos. Os sentimentos de medo, tristeza, raiva e aversão ocupam os quatro primeiros sentimentos com maior frequência.
Considerando o evento em questão, a morte de uma pessoa, isso já era esperado. Os sentimentos de expectativa e confiança vindo antes de surpresa podem representar comentários sobre a punição do responsável sendo mais evidente do que o evento da morte em si. Embora o sentimento de alegria seja uma das emoções consideradas no dicionário, a presença desse sentimento, 19 vezes no total, é algo surpreendente no contexto estudado.
Agora, analisando a polaridade negativa (total de 147), notou-se sua ausência em apenas 3 posts, dos quais dois pareciam ser favoráveis ao evento (morte). Neste sentido, é imprescindível que a polarização negativa seja entendida neste contexto como uma opinião contrária à morte de Charlie Kirk. Sendo assim, a polarização positiva, vindo em quarto lugar no gráfico acima, é um resultado alarmante: a comemoração da morte de uma pessoa.
Mas, afinal, o que esses resultados nos dizem? Para responder essa pergunta, em adição ao que foi exposto acima, verificou-se a presença de certos termos relacionados ao contexto político: “extremista” e “direita”, com 4 e 7 ocorrências, respectivamente. Em contrapartida, a palavra “mártir” foi detectada apenas uma vez nos posts coletados. Considerando tais números, é possível crer que o contexto de polarização política está enraizado nestes dados e que, na retórica dos posts coletados, Charlie era um extremista de direita, o que, em termos atuais, é associado a algo ruim.
Em suma, os dados coletados reforçam a ideia de que a violência ideológica, seja ela psicológica ou física, está cada vez mais presente em nosso cotidiano, mascaradas ou explícitas em retóricas vistas nas diversas mídias, muitas vezes culminando em atos hediondos. Será que não há mais espaço para conversa? Parece que a paráfrase de Evelyn Beatrice Hall, “Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”, que tem quase 120 anos de história, abre espaço para "os fins justificam os meios", de Maquiavel, em um ciclo que parece não ter fim.
*Maria do Carmo Soares de Lima, professora do Departamento de Ciência Política - UFPE, membro do corpo permanente dos programas de pós-graduação em Ciência Política e Estatística da UFPE