Artigo | Notícia

Lawfare: quando o Direito se torna arma de guerra

No centro do Estado Democrático de Direito, a ação judicial desempenha um papel crucial como meio de proteção de direitos e resolução de conflitos.

Por FERNANDO J. RIBEIRO LINS Publicado em 30/09/2025 às 0:00 | Atualizado em 30/09/2025 às 10:35

Clique aqui e escute a matéria

O processo ocorre sob normas que visam assegurar imparcialidade, contraditório e ampla defesa das partes envolvidas. Devido à sua relevância institucional, o acesso à jurisdição não pode ser transformado em palco de manifestações políticas, ataques pessoais ou meros discursos vazios. A denúncia judicial, dentro do ordenamento, deve ser objetiva, clara e fundamentada em fatos e argumentos técnicos, jamais se configurando como uma tribuna para insultos.

A importância de definir o espaço judiciário como foro racional, e não como um ambiente de ataques, foi recentemente reafirmada por uma decisão de um magistrado federal americano, que rejeitou a ação proposta contra um tradicional jornal daquele país. No caso, a autoridade que moveu a ação alegava ter sido difamada por reportagens do jornal, mas o julgamento foi categórico ao afirmar que "o tribunal não é um fórum público para vitupérios e insultos". Nesse caso específico, observa-se uma tentativa de intimidação à imprensa, visando desencorajar o jornalismo investigativo e criar um ambiente de censura nos veículos de comunicação.

A Justiça, por sua própria natureza, não deve servir como megafone para campanhas públicas, devendo repelir o uso indevido dos autos para fins que vão além do valor ético e técnico do processo. Denúncias excessivamente longas, repletas de elogios ao autor da ação ou ataques ao réu, não ajudam na busca pela verdade real. Pelo contrário, dificultam o trabalho do magistrado e comprometem a credibilidade do sistema judicial.

O uso da linguagem processual deve priorizar a sobriedade, evitando transformar a petição inicial em manifestação política ou instrumento de desgaste público. O Judiciário é um ambiente de debate técnico e ponderado, fundamental para a preservação da neutralidade institucional. Quando o processo é desviado para outros fins, abre-se a porta para o fenômeno do "lawfare".

O conceito de "lawfare" — termo que combina as palavras "law" (direito) e "warfare" (guerra) — ganhou destaque nas últimas décadas para designar o uso estratégico, indevido e abusivo das leis e dos procedimentos judiciais com o objetivo de perseguir adversários políticos, destruir reputações e inabilitar oponentes. O fenômeno configura uma verdadeira "guerra jurídica" e consiste em transformar instrumentos processuais em armas de combate para promover desgaste público, constrangimento e, muitas vezes, inviabilização do exercício político, social ou profissional de um indivíduo.

Entre as principais táticas de "lawfare" estão: apresentação de acusações infundadas ou sem provas, apenas para criar desgaste na imagem do adversário; proliferação de ações judiciais frívolas, com aparência de legalidade; judicialização exagerada de disputas políticas, buscando associar o nome do adversário a condutas ilícitas; e, instrumentalização do processo para bloquear direitos de defesa, provocar desilusão popular constranger ou o exercício dos direitos políticos.

O "lawfare", apesar de se disfarçar de legalidade, representa uma perigosa erosão do sistema democrático. Sua tática busca minar a confiança nas instituições e criar obstáculos artificiais para a atuação dos adversários. Quando o Judiciário permite ou não coíbe o uso abusivo do processo, torna-se suscetível à instrumentalização política e reputacional do Direito.

Diante desse cenário, cabe aos operadores do Direito — advogados, magistrados e promotores — o protagonismo na defesa do processo justo e na contenção dos abusos. O compromisso ético com a verdade, o respeito às garantias constitucionais e a responsabilidade social do papel do Direito são elementos fundamentais para evitar que o processo judicial seja convertido em palco de "vitupérios e insultos" ou instrumento de "lawfare".

A sociedade espera da Justiça uma postura altiva, rigor na apreciação das demandas e a capacidade de identificar quando o processo é utilizado para fins de perseguição, publicidade negativa ou constrangimento indevido. O Direito, enquanto ferramenta de civilização, não pode ser cooptado por estratégias de guerra política. O Judiciário, por sua tradição e missão, deve ser o espaço da racionalidade, da técnica e do respeito mútuo, repelindo qualquer tentativa de desvirtuar suas funções.

Portanto, a ação judicial não é e nunca deveria ser um fórum público para insultos, ofensas ou ataques pessoais. O combate ao "lawfare", enquanto forma de corrosão do sistema judicial, exige vigilância constante e responsabilidade institucional. O Direito não é arma de guerra contra adversários; é garantia de paz social e justiça!

Fernando J. Ribeiro Lins, advogado, ex-Presidente da OAB Pernambuco e atual Conselheiro Federal da OAB Pernambuco.

 

Compartilhe

Tags