Artigo | Notícia

Ricardo Correia de Carvalho: O dever de lealdade do Estado e a restituição de impostos

A recente decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD sobre planos de previdência privada (Tema 1214) serve como um exemplo

Por Ricardo Correia de Carvalho Publicado em 27/09/2025 às 6:00

Clique aqui e escute a matéria

O Estado brasileiro (União, estados e municípios), em sua relação com o cidadão, deveria pautar-se pelo princípio da lealdade. Esse conceito, essencial para a construção de uma sociedade justa e equitativa, ganha uma dimensão crucial no âmbito tributário. Quando o poder público, por meio de seus entes federativos, promove uma cobrança indevida, um dever ético e legal deveria prevalecer: o de restituir o contribuinte de forma proativa, sem a necessidade de uma longa e custosa batalha judicial.

Infelizmente, a realidade é outra. O que se observa, na maioria dos casos, é uma atitude passiva do Estado, que se mantém em silêncio e simplesmente espera que os créditos do contribuinte prescrevam. Essa inércia não é apenas uma falha administrativa; ela representa uma quebra do dever de lealdade. O Estado, que tem a prerrogativa de instituir e cobrar tributos, também tem a responsabilidade de agir com transparência e probidade, especialmente quando se reconhece um erro.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) sobre planos de previdência privada (Tema 1214) serve como um exemplo perfeito dessa dinâmica. Com essa decisão, ficou claro que milhares de brasileiros pagaram um imposto que jamais deveria ter sido cobrado. Seria de se esperar, portanto, que os estados começassem a restituir esses valores de forma imediata, sem que o contribuinte precisasse entrar na Justiça e esperar anos para ter seu dinheiro de volta.

O caminho ideal para um Estado leal seria a criação de um mecanismo automático de restituição. Identificado o erro, ou confirmada a ilegalidade por uma decisão judicial superior – como as do STF -, o poder público deveria notificar os contribuintes e iniciar o processo de devolução, corrigindo o valor e disponibilizando o montante em suas contas. Essa postura não apenas fortaleceria a confiança na administração pública, mas também liberaria o Poder Judiciário de um número imenso de ações repetitivas, que apenas sobrecarregam o sistema e geram gastos desnecessários.

A inércia do Estado em restituir o que é devido não é apenas desleal; ela é uma forma de enriquecimento ilícito. Ao se aproveitar da ignorância do cidadão sobre seus direitos ou da burocracia do sistema para não devolver um valor que não lhe pertence, o poder público age contra a própria moralidade administrativa. O dever de lealdade, neste contexto, não é um favor, mas sim uma obrigação fundamental para que a relação entre o Estado e a sociedade se baseie na confiança e na justiça, e não na desconfiança e na litigância.

Ricardo Correia de Carvalho, Advogado do Correia de Carvalho & Ribeiro Advogados com atuação reconhecida nas áreas Cível, Societária, Empresarial, Imobiliária, Tributária e Administrativa. Sua carreira inclui cargos de destaque, como Procurador Geral do Recife e Desembargador Eleitoral do TRE/PE.

 

Compartilhe

Tags