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ONU: entre a crise e a esperança

O organismo é reflexo das virtudes e contradições da comunidade internacional. Nos últimos anos, seu brilho se esmaece, resistente a se remodelar

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 27/09/2025 às 6:00

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Nessa semana, ocorreu a abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, ocasião em que líderes de todo o mundo se reúnem em Nova York para refletir sobre o presente e projetar caminhos mais seguros diante dos dilemas de uma humanidade em desordem.

Desde a primeira sessão, em 1947, ficou estabelecido que o Brasil seria o primeiro a discursar. À época, poucos Estados queriam assumir a fala inicial — exposição arriscada por abrir debates latentes no pós-guerra.

Coube então ao Brasil essa missão, representado por Osvaldo Aranha, chefe da delegação brasileira e, na ocasião, também presidente daquela Assembleia.

A ideia de uma organização internacional capaz de aproximar as nações e resolver conflitos, pelo diálogo, antes de escorregarem para a guerra, já havia sido ensaiada ao final da Primeira Guerra Mundial, quando o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, promoveu a criação da Liga das Nações.

Faltaram à Liga, contudo, força política e estrutura administrativa para frear os regimes totalitários da Alemanha, Itália, Japão e seus aliados, e evitar o mergulho em um segundo conflito mundial, ainda mais devastador.

A concepção, entretanto, não se perdeu. Em 1945, com a vitória dos Aliados, renasceu na forma da Organização das Nações Unidas (ONU), sob forte empenho do presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt.

A ONU, ao longo do tempo, acumulou êxitos e frustrações. Teve papel central nos processos de descolonização da África e da Ásia, no avanço dos direitos humanos e na consolidação do direito internacional. Por outro lado, revelou limitações em tragédias como Ruanda, Somália e, mais recentemente, a Síria, expondo as fragilidades do Conselho de Segurança.

O organismo é reflexo das virtudes e contradições da comunidade internacional. Nos últimos anos, seu brilho se esmaece, ao oferecer resistência em se remodelar para lidar com os desafios do século XXI. Bom lembrar, desde sua criação, já se vão 80 anos. É hora de mudar para permanecer relevante.

O Brasil, como membro fundador, tem lugar de destaque nos debates e contribui de forma concreta com o abrangente sistema ONU, seja com recursos humanos não fardados, seja com militares em missões de paz.

Vale lembrar, dentre outros brasileiros, o relevante serviço de Sérgio Vieira de Mello, um prestigiado funcionário da ONU, que morreu, em 2003, vítima de um atentado em Bagdá, quando exercia o cargo de representante especial do Secretário-Geral Kofi Annan.

Entre as missões de paz, sobressai-se a MINUSTAH, no Haiti (2004–2017), quando o Exército Brasileiro liderou a missão em meio a crises políticas, desastres naturais e insegurança crônica. Até 2021, um Almirante brasileiro comandou a Força Marítima da UNIFIL, no Líbano, e, atualmente, um General brasileiro exerce liderança na MONUSCO, no Congo, conduzindo inclusive tropas estrangeiras.

Essas experiências mostram ao mundo a capacidade dos militares brasileiros de combinar “hard” e “soft power”. São muitas as participações de nossos boinas-azuis em missões pelo globo — Chipre, Suez, Angola, Moçambique, Iugoslávia entre outras. Pessoalmente, comandar o Batalhão Brasileiro de Força de Paz no Haiti, logo após o terremoto de 2010, foi uma das missões mais emocionantes e desafiadoras que assumi.

O êxito do soldado brasileiro nessas comissões se explica por um traço marcante de sua formação: a inclinação ao diálogo. Ele não se vê como mero executor de ações bélicas, mas como instrumento de construção da paz.

Em tempos anárquicos, é urgente refletir sobre a capacidade da ONU de se renovar, ampliar sua representatividade e fortalecer seus mecanismos de ação. Não custa lembrar que 2024 (Uppsala Conflict Data Program - UCDP) foi o ano com o maior número de conflitos registrados no planeta desde a Segunda Guerra Mundial.

Para o Brasil, integrar esse esforço de revitalização da ONU não é apenas um dever decorrente de sua reconhecida liderança internacional, é também a reafirmação dos princípios defendidos no artigo 4º da nossa Constituição, todos alicerçados na índole pacífica de seu povo.

Otávio Santana do Rêgo barros, general de Divisão da Reserva

 

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