Tunai Galvão: Qual é o seu diagnóstico psiquiátrico? Descubra aqui — ou talvez não
Para entender melhor a questão, é preciso conhecer dois conceitos centrais na medicina: diagnóstico categórico e diagnóstico dimensional
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Será que você tem TDAH? Talvez seja autista e não saiba? Ou, ao menos, uma pessoa ansiosa?
Sêneca, filósofo romano, dizia: “Se olharmos de perto o suficiente para nós mesmos, sempre encontraremos traços de loucura.”
E é exatamente isso que muitos de nós temos experimentado ultimamente. Ao nos depararmos com sintomas de adoecimento frequentemente expostos nas redes sociais, surge a sensação de que nos encaixamos nos diagnósticos listados em vídeos e postagens. Mas será que isso significa, de fato, que temos uma doença mental?
Para entender melhor, é preciso conhecer dois conceitos centrais na medicina: diagnóstico categórico e diagnóstico dimensional.
Diagnóstico categórico: direto e binário — você tem ou não tem a condição. Uma fratura ou uma infecção viral são exemplos claros: ou existe, ou não existe, sem meio-termo.
Diagnóstico dimensional: mais nuançado, funciona como um espectro. Todos temos algum grau de ansiedade, desatenção ou impulsividade. É normal ficar nervoso antes de uma reunião importante ou perder o foco numa palestra entediante. A questão é: quando esses sintomas deixam de ser traços comuns e passam a prejudicar de forma consistente o trabalho, os estudos ou a vida social?
Na psiquiatria, muitas vezes utilizamos os dois modelos ao mesmo tempo: os manuais diagnósticos, como o DSM e a CID, oferecem critérios categóricos (ou você atinge o número de sintomas para o diagnóstico, ou não), mas na prática clínica cada paciente é compreendido também em termos dimensionais, avaliamos intensidade, frequência, contexto e impacto funcional.
Com a popularização das informações, essa fronteira ficou difusa. Vídeos no TikTok e Instagram listam sinais de TDAH ou autismo de forma ampla e genérica, facilitando a autoidentificação. Esse fenômeno é conhecido como Efeito Barnum, nossa tendência a considerar descrições vagas e genéricas como aplicáveis a nós mesmos. É o mesmo mecanismo que faz horóscopos “acertarem” para tanta gente.
Essa autoidentificação pode ter consequências curiosas e até problemáticas. As expectativas moldam a percepção dos sintomas — fenômeno conhecido como Efeito Expectativa. Em outras palavras: se alguém acredita que tem um transtorno, pode começar a perceber e relatar sintomas de forma mais intensa. É como quando você compra um novo celular: de repente, parece que todo mundo tem o mesmo modelo. Na verdade, eles sempre estiveram por aí, mas sua atenção ficou calibrada para notá-los.
Esse mesmo mecanismo pode aguçar a percepção sobre sintomas e influenciar relatos em consultas médicas, levando, consciente ou inconscientemente, ao viés de confirmação — quando a pessoa destaca informações que reforçam sua hipótese inicial. Isso pode conduzir a avaliação médica de modo a confirmar um diagnóstico pré-suposto.
O resultado? Às vezes, os diagnósticos podem acabar sendo influenciados pelas expectativas do paciente do que por critérios objetivos. Isso não significa que buscar informação seja um problema — pelo contrário, pode ser um ponto de partida importante. Mas, quando essa autoidentificação não é acompanhada de avaliação adequada, pode levar a interpretações apressadas, ao uso de medicamentos sem real necessidade ou a uma maior confusão sobre o próprio sofrimento.
Por isso, caro leitor, se você chegou até aqui esperando encontrar o seu diagnóstico psiquiátrico, a resposta é: não é tão simples assim. Diagnósticos psiquiátricos exigem avaliação criteriosa, análise do impacto funcional e, na maioria das vezes, uma interpretação longitudinal. Trata-se não apenas de reconhecer sintomas, mas de compreender o contexto, a intensidade e o prejuízo que eles causam.
“Conhece-te a ti mesmo”, ensinava a inscrição no Templo de Delfos. Hoje, vale acrescentar: conhece-te a ti mesmo com ciência e cautela. Porque nem todo sintoma é transtorno.
Tunai Galvão, médico psiquiatra.