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João Ricardo Mendes de Oliveira: Setembro Amarelo - falar, cuidar e agir

Reconhecer que a saúde mental é parte da saúde integral é o primeiro passo para que mais pessoas recebam o cuidado de que necessitam

Por JOÃO RICARDO MENDES DE OLIVEIRA Publicado em 22/09/2025 às 7:09

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Setembro é, em todo o Brasil, o mês dedicado à prevenção do suicídio. O Setembro Amarelo surgiu em 2015, inspirado em campanhas internacionais, com o propósito de lembrar que a vida merece atenção e que falar sobre sofrimento não deve ser tabu. Assim como temos o Janeiro Branco, voltado à saúde mental de modo mais amplo, ou o Abril Azul, que dá visibilidade ao autismo, setembro nos lembra de uma realidade que não pode ser ignorada: milhares de pessoas vivem em silêncio uma dor que pode ser aliviada se houver escuta e cuidado.

Um grande obstáculo ainda são os preconceitos. É comum ouvir frases como “quem realmente quer, consegue” ou “quem fala em se matar só quer chamar atenção”. Elas geralmente aparecem diante de tentativas frustradas ou da expressão verbal do desejo de morrer, sendo injustamente vistas como uma “teatralização”. Essa interpretação é perigosa. O sofrimento psíquico não é questão de força de vontade, mas sim um sinal de que alguém precisa de apoio. Também é mito acreditar que, se a pessoa fala sobre suicídio, ela não corre risco. Pelo contrário: na maioria das vezes, esse é um pedido de ajuda que precisa ser levado a sério.

Outro ponto essencial é lembrar que buscar ajuda profissional faz diferença. Psicólogos e psiquiatras têm papel fundamental, tanto na escuta e no acolhimento quanto no tratamento. Em casos de depressão grave, existem hoje recursos que podem trazer melhora em prazo mais curto — a recuperação não precisa ser sinônimo de uma longa espera. Reconhecer que a saúde mental é parte da saúde integral é o primeiro passo para que mais pessoas recebam o cuidado de que necessitam.

Mas não basta apenas a iniciativa individual. O Estado tem responsabilidade em criar e fortalecer políticas públicas de prevenção, como ampliar o acesso à rede de saúde mental, promover campanhas educativas e reduzir fatores de risco. O abuso de substâncias, por exemplo, é um dos grandes gatilhos associados ao suicídio e precisa ser enfrentado com políticas sérias de prevenção e tratamento.

No âmbito pessoal, é fundamental resgatar sentimentos de propósito e gratidão. Tanto em quadros patológicos quanto em momentos de luto, lembrar de tudo o que ainda é valioso ao redor do paciente — afetos, experiências, memórias, vínculos — pode renovar o sentido da vida e abrir espaço para novas formas de esperança. Mas é igualmente importante não cair na armadilha da chamada “positividade tóxica”. Tristeza, frustração e desânimo fazem parte da experiência humana e precisam ser reconhecidos e acolhidos, sem negação nem banalização. Nem toda dor deve ser silenciada ou patologizada: ela também pode ser um chamado à reflexão, ao cuidado e ao encontro com o outro.

Ao mesmo tempo, precisamos cultivar uma vida comunitária, feita de vínculos verdadeiros: família, amizades, grupos de apoio, fé e espiritualidade. Redes sociais virtuais têm seu lugar, mas nada substitui o contato humano e a presença real. A vida plena não se constrói apenas no desempenho profissional, mas no equilíbrio entre trabalho, saúde, afeto, engajamento social e sentido existencial.

Neste setembro amarelo, a mensagem é clara: falar salva, acolher salva, agir salva. Uma conversa, um gesto de cuidado, uma escuta atenta podem ser a diferença entre a desesperança e um novo recomeço.

João Ricardo Mendes de Oliveira é Professor do Depto. de Neuropsiquiatria da UFPE e Membro da Academia Pernambucana de Ciências.

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