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Ivanildo Sampaio: Hoje não tem espetáculo...

Tenho pena daqueles que não viram os circos de minha juventude. Como eram alegres... como empolgavam. E grudavam na nossa memória para sempre

Por IVANILDO SAMPAIO Publicado em 22/09/2025 às 6:59

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Vi, recentemente, na periferia da cidade de Gravatá, na tristeza de uma segunda-feira que amanhecia chuvosa, um circo que, na noite anterior, realizara mais um espetáculo para um público certamente maduro e idoso, já que as novas gerações desdenham e desconhecem esse mundo encantado que morre um pouco a cada dia, e que muitos julgam não ter sobrevivido. As novas gerações sequer frequentam as poucas salas de cinema, cada vez mais vazias, trocadas conscientemente pela comodidade da televisão, que exibe os mesmos filmes com apenas um toque no controle remoto – e põe à disposição um imenso cardápio de ofertas, para todos os gostos, idades e culturas. Tenho pena daqueles que não viram os circos de minha juventude.

Como eram alegres... como empolgavam. E grudavam na nossa memória para sempre. O circo que vi em Gravatá tem um nome meio esquisito – chama-se “Icarus”, não sei que atrações oferece, mas sei que não há animais, cuja proibição no palco e no picadeiro, foi uma das causas que levaram ao fechamento os grandes circos de fama mundial, entre eles o Ringling, (Ringling Bros-Barnum and Baley Circus) que era um fenômeno à parte: Segundo relatos históricos, foi fundado em 1884, no Estado de Wisconsin, EUA, por cinco irmãos descendentes de alemães. O circo ficou sob controle da mesma família até 1967 – quando foi adquirido pela Família Feld, norte-americana de origem e que já atuava na área de entretenimento, até 2025, quando “recolheu a lona” e se foi, deixando apenas sua história e seu exemplo entre os saudosistas. A proibição de animais, numa campanha mundial, teria sido uma das causas para o fechamento.

O Rigling foi tema do filme “O maior espetáculo da terra”, estrelado por James Stuart, Cornel Wilde e Betty Hutton - um sucesso de bilheteria nos anos sessenta do Século passado. Fui, na minha infância, um profundo admirador dos circos que, na seu destino nômade, algumas vezes se aventuravam pelo Sertão seco do Nordeste. E faziam uma temporada em São José do Egito, meu chão natal, com autorização reticente do Vigário local ranzinza e conservador. Guardo o nome de alguns deles: Circo e Teatro Araujo, Circo Alegria, Circo Fekete, Circo Copacabana, cuja maior estrela era uma bela jovem com o seu acordeon, que fez balançar alguns casamentos consolidados na cidade.. E outros circos mais, do mesmo porte e elencos parecidos.

No Circo Alegria, a grande estrela era o próprio Alegria, um ilusionista que só fazia sucesso diante daquela plateia, primária e desinformada. No Circo Araújo, as peças teatrais tinham a participação de dois atores renomados no mundo circense– Francisco Holanda e Djalma Duraém que, segundo informava a direção do espetáculo, já haviam participado de grandes grupos teatrais no Recife. Quem duvidasse, que fosse conferir.

Do Circo Fekete, guardei uma lembrança quase trágica: numa das sessões noturnas, o trapezista, ainda jovem e sem rede de protecão, despencou lá de cima, caiu no meio do picadeiro, fraturou uma costela e machucou-se muito, mas, felizmente, recuperou-se ao longo da semana, sem, contudo, fazer uma nova apresentação no trapézio. Tinha voz de tenor e cantava, todas as noites, a canção “Granada”, com a qual cativava as colegiais da plateia.

Vale registrar que a chegada de um circo nas pequenas cidades do Interior era um acontecimento. Servia para quebrar a monotonia e a pasmaceira de uma população quieta e acomodada – e quando acabava a temporada, deixava a saudade e a sensação de tristeza e alijamento. O circo unia, igualava todos, os muito pobres, os pobres e os “remediados”, já ricos mesmo não havia ninguém. E o público se dividia entre os que ocupavam os camarotes, com oito lugares cercados e protegidos; as cadeiras e as arquibancadas, muito mais conhecidas como “o poleiro”, que ocupavam cerca de sessenta por cento do espaço da cada circo. Quem ia para o “poleiro”, era feliz e não sabia.

O grande mestre Ariano Suassuna, que viveu parte da infância e da juventude no Município de Taperoá, no interior da Paraíba, nunca negou sua paixão pelo “circo” e seu mundo encantado. Segundo ele mesmo, alguns personagens de suas peças teatrais foram inspirados na literatura de cordel e nos circos que “mambembavam” pelo Sertão seco, sem eira nem beira. E foi sentado numa plateia de circo, instalado nas proximidades de um Shopping Center, no bairro de Piedade, que falei com ele pela última vez. Não havia necessidade nem constrangimento em revelar, para quem quisesse ver, que éramos, nós dois, eternos fãs do palco e do picadeiro.

Não creio que Ariano Suassuna, avesso a viagens aéreas como sempre fez questão de ressaltar, tenha, alguma vez, visitado a antiga União Soviética e, por lá, assistido um espetáculo no mundialmente famoso Circo de Moscou. Eu consegui isso. Fiz parte, como jornalista, de uma delegação de empresários pernambucanos, coordenada pelo Dirigente classista Josias Albuquerque (já falecido), que viajou para Moscou em busca de novos mercados para produtos regionais. Entre a agenda oficial e a programação recreativa – museus, teatros, monumentos, etc., uma das noites oferecia duas opções, porém no mesmo horário: uma apresentação do Balé Bolshoi, ou um espetáculo no Circo de Moscou. Fiel às minhas recordações, a escolha que fiz valeu a pena, apesar de um princípio de incêndio nas arquibancadas do Circo, obrigando a sessão a terminar mais cedo. Podemos ver, também, policiais moscovitas espancando sem piedade uma jovem cigana que tentou tomar do braço a bolsa de uma jovem na fila de entrada para o circo. Enquanto apanhava, ela cuspia no rosto do policial. Um espetáculo triste e constrangedor. No circo, o pouco que assisti, porém, valeu a escolha: trapezistas, mágicos, e, principalmente, a apresentação de um domador de animais com seu cão amestrado, que encantou a plateia.

Desde aquele encontro com o Mestre Ariano, na periferia de Jaboatão, não voltei a entrar no mundo coberto de um circo, por desinteresse ou falta de oportunidade. O circo que vi em Gravatá naquela manhã meio chuvosa, aparentemente de porte médio, me ativou a curiosidade e, como tenho uma casa no município, voltei na semana seguinte disposto e ir ver uma noite no “Invictus”. O circo já não estava lá. O terreno baldio onde cumpriu sua rápida temporada guardava os sinais dessa visita, rápida e sem compromissos com o futuro. E nas vizinhanças, apenas uma certeza: O circo mudou, mas ainda não morreu. Está hoje aqui, amanhã acolá, no seu destino nômade coberto pelas estrelas, caminhando, caminhando, caminhando...

Ivanildo Sampaio é jornalista

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