A Irmandade Sinistra: O pôquer continua
Sem aprofundar demais, todos sabem que os interesses daqueles que têm poder são de difícil harmonização com os demais

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A “irmandade sinistra” é uma entidade aparelhada para abalar economias e corroer as democracias do mundo. É integrada por banqueiros, financistas, rentistas, empresários não-financeiros de grande porte, sempre acolitados por economistas de prestígio. É um grupo influente que se dedica a acumular dinheiro ignorando guerras, conflitos armados, fome, morticínios. Em liberdade, poderá degradar o ambiente, estimular a desigualdade social, interferir na volatilidade financeira, afetar julgamentos em Tribunais e interferir no equilíbrio dominante.
Infelizmente, nossos investigadores mais alumiados revelam maior interesse pelo estudo dos pobres, deixando em remanso a questão dos ricos. A situação mais preocupante é a do bilionário tradicional. Ele aprende, desde o nascimento, a apagar a sua linhagem. É verdade que a Forbes publica, há quatro décadas, a lista dos bilionários do mundo, onde são relacionadas as pessoas mais ricas e influentes do planeta, todavia, as conclusões são ainda incompletas ou pouco verticalizadas.
Essa “irmandade” poderia até mesmo ser comparada a uma filarmônica. Cada bilionário seria responsável por um instrumento: piano, viola, violoncelos, contrabaixos, harpas, flautas, oboés, clarinetes, fagotes, trompetes, trompas, trombones, tubas, tímpanos, caixas, pratos. Alguns desses instrumentos têm o som quase inaudível, todavia, não deixam de ser indispensáveis para a boa performance da orquestra. É o caso dos jornalistas prestimosos e da imprensa — quando subserviente ou servil.
Os ricos são uma pequena minoria no Brasil e no mundo. Representam cerca de 1,3% da população adulta mundial e 0,01% da população brasileira. Na relação da Forbes, o empresário brasileiro Eduardo Saverin voltou a liderar, em 2025, e pelo segundo ano consecutivo, o ranking dos brasileiros mais ricos do mundo, com uma fortuna estimada em US$ 34,5 bilhões. Saverin vive em Singapura com a mulher e um filho. Com 44 anos, nascido em São Paulo e criado nos EUA, é conhecido por ter ajudado Mark Zuckerberg a fundar o Facebook. Pelo ranking geral, ele é o 51º mais endinheirado do planeta.
A segunda posição ficou com Vicky Safra, herdeira de Joseph Safra, fundador do Banco Safra e que também reside no exterior. Sua fortuna é de US$ 20,7 bilhões, o que a torna a mulher mais rica do Brasil. No ranking geral da Forbes, Vicky ocupa a 98ª posição.
Segundo a mesma publicação, o homem mais rico do mundo, em 2025, é Elon Musk. A imprensa faz referência a um “bromance” intenso e transitório entre o bilionário e o presidente Trump. Musk liderou o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) no início do governo trumpista. Deixou o Departamento, alguns meses depois, com alegações pouco convincentes. Sabe-se apenas que a Tesla — empresa inovadora de Musk — sofreu boicote e vandalização e as suas ações começaram a despencar. Seria esse o motivo?
Sem aprofundar demais, todos sabem que os interesses daqueles que têm poder são de difícil harmonização com os demais. Muito cedo, pequenas epifanias e acontecimentos prosaicos revelam os obstáculos e as verdades inconfessáveis.
Embora os bilionários tenham grande poder sobre as diretivas do mundo, há grandes influenciadores que não representam enormes fortunas e exercem poder similar. Um exemplo? Recentemente, foi realizado em Deerfield Beach, cidade na costa leste da Flórida, nos EUA, conhecida pela sua grande comunidade brasileira, o evento “Conservative Political Action Conference (CPAC)” ou “Cúpula Conservadora”, onde os palestrantes eram brasileiros ou ex-alunos de Olavo de Carvalho — o falecido guru da direita.
O tema do encontro girava em torno da família, fé, liberdade e soberania, a partir de uma indagação maior: “O Brasil é uma ditadura?” A figura mais importante da plateia era o carioca Pedro Valente, que reside em Miami desde 1993, onde foi cursar um MBA e acabou inaugurando uma academia de jiu-jitsu — a Valente Brothers — responsável pelo treinamento do casal Ivanka Trump e seus filhos. Um dos irmãos de Pedro é Joaquim Valente, companheiro da modelo Gisele Bündchen e pai do seu terceiro filho. Na posse de Trump, Pedro estava sentado na mesa principal da família do presidente norte-americano.
No dia subsequente à realização da “Cúpula”, houve um churrasco oferecido ao seleto grupo. De repente, drones e helicóptero começaram a sobrevoar o prédio onde se realizava o evento gastronômico. Vinte homens da Swat (Special Weapons And Tactics) cercaram os convidados. Afirmava-se que quatro cadáveres poderiam estar escondidos na mansão. Repentinamente, Pedro Valente deixa a mesa e vai conversar com os homens da unidade tática. Após a conversa em surdina, os militares desaparecem.
Os comensais são informados de que a suspeita dos cadáveres era infundada. Acontece que Pedro Valente é o treinador dos militares e oficiais de elite da Marinha e do Exército dos EUA. Nesse caso, Valente goza de uma influência considerável nos EUA, embora não esteja na lista dos bilionários (Revista Piauí, 226).
A ilação a anotar é que “tudo” poderia ser convertido em política. Até mesmo as questões de ordem sexual. Basta lembrar o escândalo de pedofilia do financista Jeffrey Epstein e as especulações sobre o registro do nome Trump na lista de incriminados. Tal raciocínio se ajusta à concepção de Celso Furtado quando anotou que jamais havia sido apresentado a um problema que não fosse político.
Também o sociólogo Antônio David Cattani, autor das obras Ricos, podres de Ricos, Milhões e Milhões e A Síndrome do Mal, integra a lista daqueles que raciocinam do mesmo modo. Em entrevista ao JC, Cattani afirmou que “os ricos vêm se apropriando de maneira obscena da riqueza mundial”.
Cattani recepciona a ideia de que não há mundos paralelos — riqueza e pobreza. A riqueza está sendo transferida de parte da classe média, de trabalhadores e de pequenos e médios empresários para as mãos de uma pequena minoria privilegiada. Além disso, os ricos geraram uma “máquina tributária que penaliza os mais pobres e beneficia e gera privilégios a quem tem mais”.
Por tudo isso e muito mais, “as grandes fortunas não são imaculadas". Foram geradas por décadas, transmitidas por herança e, em muitos casos, são fruto de expedientes apenas acessíveis aos influentes e poderosos. Elas criam estratagemas para alcance de benefícios em momentos de depressão, recessão e de retomada do crescimento. Isso acontece tanto em governos democráticos como em autoritários.
Outro aspecto relevante, nesse contexto, diz respeito aos economistas — designadamente aqueles que transitaram pelas grandes universidades como Chicago, Harvard, Cambridge, Yale. Afirma Cattani que eles aceitam viver uma temporada no Banco Central ou outra instituição financeira de renome ganhando, temporariamente, salários médios para apostar no dia seguinte.
Apoiados pela mídia, tão logo deixam a direção do Banco Central, consolidam a credibilidade e dominam o mercado na condição de porta-vozes dos interesses das elites econômicas.
A maioria dessas conclusões se aplica “aos ricos mais ricos do mundo”. São centenas de bilhões de dólares acumulados que exigem uma estratégia especial, frieza e conhecimento profundo da psicologia dos adversários. Assemelha-se a uma mesa de jogo de “pôquer mortal”, onde inexistem amizades genuínas ou verdadeiras.
Prevalecem, acima de tudo, os interesses individuais e a rivalidade gigantesca ou abissal. O “blefe” é sempre a melhor carta de se tirar das mangas e o mais importante é não desdenhar o adversário e “foldar” a meio da partida. Afinal, qualquer que seja o sistema político, o jogo continua.
Dayse de Vasconcelos Mayer é doutora em ciências jurídico-políticas