A Inquisição no Brasil
Os inquisidores do passado, elogiados ou endeusados por alguns pares na época, estão nos livros atuais em meio a críticas, reprimendas e maldições.

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Na última semana vimos, aqui nestas páginas, como nasceu o Tribunal do Santo Ofício na França (em Orleans, 1022); e como se espraiou, primeiro para Espanha (em 1478) e depois a Portugal (em 1536). Registramos também como funcionava, em Autos de Fé que semearam o terror nessas terras.
Eram tempos duros, amigo leitor. Em que os tribunais estavam a serviço nem sempre da religião católica, também atendendo à política e a interesses econômicos privados. Como se cada inquisidor tivesse bolsos recheados e corações empedernidos. Mais grave é que, nas suas sentenças, nada lembrava o Deus em nome de quem diziam agir. Os documentos daquele termo não deixam qualquer dúvida. Falta ver, agora, a continuação disso tudo. E como atingiu o Brasil, inclusive nosso Pernambuco.
Condenados, na Inquisição, eram divididos entre Reconciliados aqueles que, depois das penitências, voltavam a frequentar a Igreja, explicitando o domínio da fé sobre a heresia; e Relaxados condenados que eram com frequência executados, com a morte se dando por garrote ou na fogueira. Todos obrigados a usar um Hábito Penitencial chamado Sambenito, com imagens de fogo que variavam: chamas para cima, no caso dos Reconciliados; e para baixo, no dos Relaxados.
Apenas entre 1543 e 1684 foram condenados, em Portugal, 19.247 infiéis, dos quais 1.379 acabaram indo antecipadamente para o inferno. Só não era função do Santo Ofício punir crimes comuns, como homicídio ou roubo, que continuaram permanecendo responsabilidade da Justiça Secular. Ao Santo Ofício cabia, somente, os considerados heréticos.
A partir de 1560, a Inquisição estendeu seus braços além das terras continentais portuguesas, para atingir todos os seus territórios ultramarinos. Especialmente colônias africanas, entre elas destaque para Goa (Índia) e o Brasil, lugares onde foi tão atuante como em sua sede europeia. Mesmo não chegando, o Santo Ofício, a criar Tribunais de Inquisição fora de Portugal.
Responsável pelos processos, nesses outros lugares, continuou sendo sempre o Tribunal de Lisboa. Enquanto, no Brasil, tudo se operava com visitações de missionários Jesuítas que tinham a missão de fazer inspeção para observância da fé e dos bons costumes. Primeiras expedições de Visitadores, ao Brasil, ocorreram em 1591 e 1595 envolvendo Bahia, Goiás, Paraíba e Pernambuco.
Esses Visitadores, ao chegar, concediam 30 dias para que os moradores locais apresentassem denúncias ou se declarassem arrependidos. Eram fixados, nas portas das igrejas, Monitórios com informações detalhadas sobre os crimes que deveriam ser denunciados bigamia, blasfêmia, feitiçaria, islamismo, protestantismo, sodomia, solicitação (assédio), quaisquer outros atos que ofendessem a fé cristã e, sobretudo, judaísmo (desses delitos, o mais rentável à coroa portuguesa).
"Monitório do Inquisidor Geral, per que manda a todas as pessoas que souberem d'outras, que forem culpadas no crime de heresia, e apostasia, o venhão denunciar em termo de trinta dias"; e "se algumas pessoas, ou pessoa, tem livros, e escrituras, para fazer os ditos cercos, e invenções dos diabos, como dito he, ou outros alguns livros, ou livro, reprovados pela Sancta Madre de Deus".
Não apenas monitórios, também vários Éditos, pelos quais os visitadores obtinham informações que pudessem embasar seus processos. Entre eles, sobretudo, Éditos de Graça, listando uma série de heresias que poderiam ser confessadas pelos habitantes locais; e Éditos de Fé, com descrição de práticas a serem denunciadas. Em todos os casos, prevendo penas brandas para os acusados. Sendo comum que os locais aproveitassem esse tempo, concedido pelos Éditos, para fazer confissões espontâneas; evitando, assim, os riscos de excomunhão ou confisco de bens.
Confissões aconteciam perante os Visitadores, aos quais deveria dizer "tudo o que souberem de vista ou de ouvida, que qualquer pessoa tenha feito, dito ou cometido contra a nossa Santa Fé Católica", sob pena de "excomunhão maior".
Na Bahia, sobretudo, a um Visitador conhecido apenas como Heitor (o padre Heitor Furtado de Mendonça), por vezes com a presença de autoridades locais, como o bispo António Barreiros, o provincial dos jesuítas Marçal Beliarte e o reitor do colégio, padre Fernão Cardim.
Enquanto, em Goiás, o Visitador conhecido mais simplesmente como Alexandre (o padre Alexandre Marqueza do Valle) decidia tudo sem ouvir ninguém.
Quando veio ao "Estado do Brazil" (Bahia) o já referido Visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendonça instalou-se, na sociedade local, um clima de angústia e pavor. Ao longo dessa visitação muitos dos habitantes, em sua maioria cristãos-novos, foram denunciados ou confessaram seus pecados. E acabaram sofrendo penas duras.
Às casas de morada desse Visitador chegou inclusive, para se autodenunciar, Bartolomeu Fragoso, primeiro poeta do Brasil. Ele, e não Bento Teixeira com sua Prosopopeia, como consta (até agora) em nossos livros de história. Com a intenção de ter os benefícios indicados nos Éditos, por estar "dentro do Tempo da Graça" o prazo de um mês posterior à chegada do Visitador do Santo Ofício, como vimos. "E por dizer que queria confessar sua culpa, recebeu o juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão direita, sob cargo de prometer confessar a verdade".
A Bartolomeu "foi logo perguntado pela doutrina cristã e disse o credo e o padre nosso". Ali, "fez confissão inteira e verdadeira, mas antes negou e calou, as ditas blasfêmias com certeza, mantendo, ainda, sua palavra, mas não disse quando blasfemou". Já como réu, acabou sofrendo penas, segundo os códigos da época em razão de serem "as denúncias que sofreu provas suficientes de incidir no crime de heresia". E, condenado ao exílio, nunca mais se ouviu falar dele.
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