Patriotismo, 7/9 e a mais importante reflexão a ser feita
Tudo converge para o mantra sugerido por Saramago: a responsabilidade de ter olhos quando os outros perderam. É sobre isso ser patriota.

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Não faz tanto tempo, não eram poucos os que receavam sair de casa no 7 de setembro. Tornou-se atitude arriscada. Sentimento que, longe de exagerado, arrasta à necessidade de se entender o que afinal é ser patriota.
Primeiramente, não deve significar aquilo que defendeu Bernard Shaw: a convicção de que o nosso País é superior a todos os demais simplesmente por nele termos nascido. Patriota há de ser aquele "que ama a sua pátria e busca servi-la". Pátria ("terra paterna") remete à ideia do País a que se pertence, à cidadania, sendo cidadão o que reúne em si direitos e ao mesmo tempo deveres no contexto de um Estado-Nação.
O conceito mais adequado talvez seja o de Ernest Renan, "uma pátria se compõe dos mortos que a fundaram, tanto quanto dos vivos que a continuam". Em solo brasileiro, a partir da obra do maior dos abolicionistas, Joaquim Nabuco, não é qualquer patriotismo o que vale, mas o que faz da Nação uma comunidade remida de suas heranças malditas e a torna fraterna
e solidária, coesa no altaneiro propósito do bem comum.
Nos escritos de Rousseau consta a ideia de que um cidadão que perde o amor pela sua pátria torna-se um indivíduo vazio. Não incomumente se sustenta que o apátrida é a condição mais indigna que pode haver. Pois bem. Pátria precisa ser mais que a mãe gentil; deve ser a mãe que não abandona suas crias mesmo quando renegada ou esquecida. Se um povo é dominado por seus governantes ou teleguiado por falsos profetas, não existe pátria.
Se "nacionalismo" deriva de "nação" e "patriotismo", como vimos, provém de "pátria", considerando-se que "nação" é um território, devidamente demarcado, a abrigar um povo sob a mesma língua (ou línguas) e a mesma Constituição, previsível que existisse, como muitos o fazem, a equiparação entre "nacionalismo" e "patriotismo" como sinônimos. Mas eles não o são.
Patriotismo é um conjunto de sentimentos que vão do orgulho ao amor, da devolução e devoção a símbolos ao desejo de servir ao seu país e ser solidário ao próximo. Não é disseminar inverdades, ódio, nem teorias conspiratórias, nem salvo-conduto para atacar as instituições, ameaçar a democracia ou sustentar o retrocesso de direitos. Patriotismo não é a liberdade de oprimir, nem de submeter impositivamente um modo de vida.
No 7 de setembro, o debate público vem se desvirtuando na ideia de que, para se atingir a "paz social", não importa o preço a pagar. Só que importa.
Como explica Moacyr Scliar, as cores da nossa bandeira, hoje privatizadas por um segmento ideológico como trademarks, significam, no verde, a representação das matas; no amarelo, o ouro e o Sol; no azul, a imagem da esfera celeste (inclinada segundo a latitude da cidade do Rio de Janeiro, às 8h30min do dia 15 de novembro de 1889); ao passo em que as estrelas são
um Estado diferente da federação cada uma delas e o lema "ordem e progresso" evoca o positivismo de Auguste Comte, segundo quem há que sempre se valorizar a ciência como forma de entendimento.
Já no prognóstico de Oliver Stuenkel, da FGV/SP, "em vez de permitir que nacionalistas radicais possam definir o que é patriotismo ou identidade nacional, é preciso envolver correntes moderadas nos debates sobre o tema e ajudar a mostrar que um 'patriotismo razoável', para usar um termo do filósofo William Galston, pode ser positivo e é perfeitamente compatível com conceitos cosmopolitas".
Logo, ser patriota não é conciliável com a validação de propostas de flexibilização da fórmula democrática, assim como não confere a ninguém o pretenso direito ao esquecimento por atentados a essa mesma fórmula. Ser patriota é ter a liberdade de escolher um caminho legítimo, exercer a cidadania em busca dele, mas firmar o compromisso de que, se, pela vontade da maioria expressa através do voto, outro caminho for escolhido, respeitá-lo como se protege o mínimo existencial humano. E, até a próxima eleição, lutar para ser mais convincente em defesa do caminho inicialmente rejeitado. O que não se pode é forçar a porta.
Tudo converge para o mantra sugerido por Saramago: a responsabilidade de ter olhos quando os outros perderam. É sobre isso, essencialmente sobre isso, ser patriota.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado