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Lawfare e o julgamento do 8/1/2023 no STF: será isso o que vem acontecendo?

Os atos do 8/1/2023 não foram iguais a um furto, nem a um passeio que fugiu ao controle. Houve efetivas agressões multitudinárias às instituições.

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 05/09/2025 às 0:00 | Atualizado em 05/09/2025 às 10:44

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A sociedade acompanha - com suas divisões ideológicas que perduram sem um sentido real de patriotismo - os julgamentos perante o STF tendo como réus pessoas implicadas nos eventos do 8/1/2023 em Brasília. Do lado de fora, uns falam em "teatro". Mas o trabalho judicial prossegue a despeito dos protestos. Por sua vez, no

plano das defesas técnicas, sobreleva o argumento do "lawfare". Afirma-se, em síntese, que não estaria a vigorar um devido processo legal jurídico, mas sim um massacre visando à desmoralização de acusados.

O conceito de lawfare nasceu como doutrina bélica. Ele não é um instituto jurídico, mas político. Um pensamento estratégico, conectado a um raciocínio que aproveita àquele que o exerce. Não se restringe à perseguição seletiva a líderes e a partidos. Há quem identifique vestígios seus na longínqua antiguidade grega, com o episódio do julgamento do filósofo Sócrates pelo "crime" de ensinar aos desafortunados o conhecimento de si e do mundo. Era a época dos Sicofantas, que plantavam provas, falsificavam documentos, subornavam testemunhas e falseavam a realidade com o ímpeto de afastar rivais da vida pública, manipulando a Justiça. Na atualidade, o termo

é comumente associado entre juristas aos métodos da então Operação Lava Jato, a exemplo do uso indevido dos meios de comunicação ("trial by media") visando à persecução penal lastreada na convicção de que tudo se justificava com o fim de condenar os réus.

Segundo Dunlap Jr., a lei pode ser vista como uma arma, e, da mesma forma, ser utilizada para o bem e para o mal. Escreveu ele: "O direito é muito parecido com uma ferramenta ou arma que pode ser usada adequadamente de acordo com as virtudes mais altas do Estado de Direito - ou não. Tudo depende de quem a está empunhando". Mas será o que estaria a ocorrer perante o STF no caso do 8/1?

Penso que não. Na ciência jurídica, o lawfare exige a instrumentalização estatal com o objetivo claro de destruir a pessoa considerada inimiga. Mas cadê esse padrão hoje? Cadê a articulação entre interesses escusos e a atuação associada do Judiciário e do titular da ação penal pública com o fim de criar comoção para que alguém seja privado de sua liberdade ou de sua participação na vida política? Então as circunstâncias predecessoras daquele domingo e as contemporâneas a ele seriam imaginárias?

O lawfare é marcado por acusações desprovidas de materialidade; pelo abuso do direito para prejudicar a reputação do adversário; pela deflagração de ações judiciais para desacreditar o oponente; pela tentativa de influenciar a opinião pública para obter publicidade negativa; e pela transformação dos encarregados das investigações em celebridades. Será o que temos testemunhado atualmente?

De novo, a resposta é negativa. Se a função do Direito é conter o arbítrio e a do lawfare, citando Trovão Brito, é concretizar a guerra, e se, consoante Carol Proner, "não é exagero afirmar que o lawfare é hoje um dos maiores perigos para a democracia", torna-se impossível atribuir a suposta guerra jurídica a responsabilização por fatos que existiram, dos riscos efetivos que correu a democracia (e que ainda corre) e que têm previsão na lei penal como delituosos.

A Lava Jato terminou melancolicamente porque exorbitou dos limites da correta persecução penal. Assinalaram-na divulgações ilegais de conversas de réus, despachos durante férias para impedir a soltura de réu e até grampos em escritórios de advocacia. Não é pouca coisa. Nem a realidade que se enxerga no presente.

Os atos do 8/1/2023 não foram iguais a um furto, nem a um passeio que fugiu ao controle. Houve efetivas agressões multitudinárias às instituições, clamores por intervenção militar, até mesmo um plano de assassinato dos eleitos à Presidência e à Vice-Presidência. Isso não é lawfare. Jamais poderia ser. É preciso ter respeito aos cabelos brancos da ciência democrática. Não se brinca de laboratório com o Estado de Direito. Aos culpados, portanto, o rigor da lei. Aos inocentes, a justa absolvição. Cumpra-se simplesmente o que prevê a Constituição. Ninguém está acima das leis. O mais tende a vir por osmose.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freoi9re, advogado

 

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