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O julgamento da tentativa de golpe (2)

Superados todos os recursos, transitada em julgado a sentença condenatória, será iniciado o processo de execução das penas..................

Por Adeildo Nunes Publicado em 28/08/2025 às 0:00 | Atualizado em 28/08/2025 às 10:27

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O ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), designou o dia 02.09.2025 para o início do julgamento em relação aos acusados Alexandre Ramagem, (ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Jair Bolsonaro (ex-presidente da República), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens e colaborador), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil), denunciados que foram pelo procurador-geral da República, pelo cometimento dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

A Suprema Corte, formada por 11 (onze) ministros, é dividida em duas Turmas, cada uma delas composta por 5 (cinco) ministros. Pelo seu Regimento Interno, o presidente do STF não compõe nenhuma das Turmas. A Primeira Turma, atualmente, é composta pelos ministros Cristiano Zanin, seu presidente, Cármem Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino, portanto, os legítimos responsáveis pelo julgamento do Núcleo 1, na ação penal nº 2668, que envolvem os primeiros acusados pela prática de ilícitos penais contra o Regime Democrático de Governo, reimplantado no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (pena de 4 a 8 anos de prisão) e de tentativa de golpe de Estado (de 4 a 12 anos), todas acrescidas com a pena correspondente à violência utilizada, foram introduzidos no Código Penal brasileiro (art. 359, L e M), pela Lei Federal nº 14.197, de 01.09.2021, sancionada, sem vetos, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Esses delitos são consumados com a simples vontade planejada de romper o sistema democrático. Basta haver o planejamento ou a prática de atos preparatórios com o intuito de destituir o regular funcionamento dos Três Poderes da República ou da ruptura das nossas instituições democráticas, para que os crimes sejam consumados. Esses dois ilícitos penais, diferentemente da grande maioria dos demais crimes que estão previstos em nossa legislação penal, não exigem o início da sua execução. Somente com a prática de atos humanos preparatórios e devidamente comprovados, de qualquer espécie, bem por isso, os delitos estarão consumados e os seus partícipes deverão responder pelas suas condutas, na medida da sua culpabilidade e da participação de cada um dos seus idealizadores.

O julgamento pela Primeira Turma do STF, em sua forma procedimental, será iniciado com a leitura do relatório, pelo ministro-relator, Alexandre de Moraes, onde todos os atos praticados no processo deverão ser publicamente esclarecidos. Feito isso, o titular da ação penal, o procurador-geral da República, fará a sua exposição oral, quando poderá sugerir a absolvição ou a condenação no que tange aos 7 (sete) acusados e, também, oferecerá as suas razões sobre a aplicação ou não de um possível perdão ao delator Mauro Cid. Em seguida haverá a sustentação oral e pública por parte da defesa dos 8 (oito) implicados, cada uma delas embasada nas mais diferentes teses defensivas, admitidas em Direito.

O julgamento propriamente dito, com data improvável, será iniciado com o voto do ministro-relator, que de logo deverá apreciar todas as teses sustentadas pela defesa (preliminares), que possam prejudicar o ingresso no mérito da causa. Rejeitadas as preliminares suscitadas, o ministro-relator deverá expor os motivos fáticos e jurídicos do seu convencimento, individualizando as condutas de cada um dos réus e, finalmente, absolvendo ou condenando o acusado que comprovadamente tenha participado do cometimento dos crimes.

Havendo condenação, o mesmo ministro-relator passará a examinar em seu voto, a necessária aplicação da pena (art. 59, Código Penal), descrevendo, individualmente, a culpabilidade do réu, seus antecedentes, sua conduta social e os motivos, as circunstâncias e as consequências dos crimes praticados. Com base nessas circunstâncias judiciais, o ministro-relator deverá fundamentar os tipos de pena aplicáveis à espécie, a quantidade da sanção penal, dentro dos limites previstos na lei para cada crime, fixando o regime inicial para o seu cumprimento (fechado, semiaberto ou aberto). Para os crimes de tentativa de golpe e de abolição do Estado Democrático, não caberá a substituição da pena de prisão por restritivas de direito, uma vez que os tipos penais já demonstram o uso de violência.

Findo o voto do ministro-relator, será a vez, pela ordem de antiguidade, da exposição dos votos pelos ministros Flávio Dino, Cármem Lúcia, Luiz Fux e, finalmente, o presidente da Turma, ministro Cristiano Zanin. É possível que durante o julgamento, qualquer ministro peça "vista dos autos", paralisando o julgamento por até 90 (noventa) dias. Porém, vale lembrar que qualquer ministro pode antecipar seu voto, independentemente da suspensão da Sessão. Somente com o voto dos 5 (cinco) ministros da Turma, o julgamento terá fim.

Pelo atual Regimento Interno do STF, que tem força de lei, das decisões criminais adotadas pelas suas Turmas caberão, somente, os embargos declaratórios e os infringentes, que deverão ser apreciados pelos mesmos membros da Turma que proferiu a sentença. Os declaratórios são próprios para esclarecer obscuridades, omissões, contradições ou erros materiais que façam parte da decisão, enquanto os infringentes são cabíveis quando a decisão final não é adotada por unanimidade dos votos. Superados todos os recursos, transitada em julgado a sentença condenatória, será iniciado o processo de execução das penas, que se regerá pela Lei de Execução Penal.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito, professor da pós-graduação em Ciências Criminais do Instituto dos Magistrados do Nordeste, advogado criminalista do escritório Frutuoso Advocacia, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)

 

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