Artigo | Notícia

Gustavo Krause: Um desassossego chamado Trump

Para Trump, como para os autocratas, as pessoas não importam. Simplesmente são dados estatísticos que medem a extensão do retrato trágico das guerras

Por GUSTAVO KRAUSE Publicado em 23/08/2025 às 18:27

Clique aqui e escute a matéria

Todo dia é uma novidade. E chega trazendo inquietação, ansiedade, insegurança, incerteza, um mal-estar que alcança desde chefes de estado ao mais simples cidadão. Em Petrolina, a próspera e acolhedora metrópole sertaneja sofre graves consequências com o tarifaço imposto à exportação de frutas, a exemplo da manga, condenada a apodrecer no campo e, com ela, sucumbir as expectativas empresariais e, o que é mais grave, o emprego que sustenta, dignamente, milhares de famílias.

Para Trump, como de resto para os autocratas, as pessoas não importam. Simplesmente são dados estatísticos que medem a extensão do retrato trágico das guerras.

E qual a razão do que parecia imprevisível? Uma praga agrícola causada por fungos, bactérias, insetos? Improvável. Afinal de contas, a emblemática manga e outras frutas nascidas do solo irrigado são submetidas aos cuidados das boas práticas para manter sanidade, qualidade e produtividade de modo que o produto atenda ao exigente mercado internacional. E mais: estavam prontas para colheita, embalagem e exportação para os EUA.

De repente, um personagem poderoso e assustador, Donald Trump, Presidente do mais rico país do mundo, resolve enviar misseis tarifários para o mundo inteiro tendo como palco o imponente Jardim da Casa Branca. Vira de ponta a cabeça o arcabouço da ordem mundial e manda às favas regras e instituições que regem o livre comércio. Enfia de goela abaixo a tarifa de 50% na importação de vários produtos brasileiros.

No caso brasileiro, não há razão econômica que justifique a imposição das tarifas, mas sobram motivos de ordem política e ideológica explicitados na carta enviada ao governo brasileiro no parágrafo de abertura: “vergonha internacional” é o que qualifica o tratamento do Brasil dado ao ex-presidente Bolsonaro ao que soma “uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”.

O inaceitável atentado à soberania nacional tem, também, como alvo o STF, em especial, o Ministro Alexandre de Moraes, sobre quem recaiu a aplicação da Lei Magnitsky. As investidas contra o Brasil exalam o mau cheiro da vingança pessoal pela frustração do 06 de janeiro de 2021.

Importante ressaltar, todavia, que Trump não age por impulso e, muito menos, desprovido de uma visão estratégica. Ele é um espécime da era do narcisismo tecnológico que tem como primeiro mandamento provocar emoções frequentes, diárias até, para transformar a política num “reality show”.

Neste sentido, cabe salientar que o grande objetivo dos déspotas é dominar o mundo; o caos é uma estratégia que decorre da inundação de informações capazes de gerar o conflito e a incerteza que venham a dificultar, senão impedir uma reação concertada das nações democráticas.

O esquema tem funcionado com o impulso formidável das redes sociais que difundem e modelam os perfis autocráticos a partir construção de imagem que prescinde dos métodos da política tradicional. A retórica utiliza mensagens que dão forma ao líder autocrata; no conteúdo, consagram o populismo e, na prática, capturam o engajamento das pessoas, uma relação que coloca em desvantagem a força do voto. A ambição de Trump é liderar a extrema direita internacional.

Em recente entrevista à Folha de São Paulo (18/8/25), Steven Levitsky, cientista político, professor de Harvard e autor de “Como as democracias morrem” afirma categoricamente: “Trump é o pior pesadelo dos líderes fundadores do nosso país [...] O fato de ser presidente hoje, depois de ter tentado um golpe, depois de ter tentado roubar uma eleição, é a prova de que nossas instituições falharam. E elas não falharam pouco. Elas falharam muito”.

Antes de completar nove meses de governo, Trump promoveu um enorme desmantelamento institucional da centenária democracia americana em nome do aumento de poder autocrático. Senão vejamos:

  • o ataque ao engenhoso federalismo americano, um pilar da estabilidade política e uma sólida fórmula de manter o equilíbrio entre o poder federal e os governos subnacionais;
  • o uso e abuso das ordens executivas (140 em cem dias de governo) que não somente permite ao chefe do executivo legislar à revelia do Congresso assim como enfraquece o papel de freio e contrapeso da instituição parlamentar;
  • o furor destrutivoda burocracia federal e um corte profundo nos dispêndios com programas sociais, dando prioridade aos gastos com defesa e segurança;
  • por último, mas não menos importante, atacou as universidades americanas, centros de excelência que colocaram a nação americana na vanguarda mundial do progresso científico e tecnológico.

Seus feitos, melhor definindo, malfeitos são incontáveis e passam ao largo de princípios e valores democráticos. No plano internacional despreza históricos aliados e, sob pompas e circunstâncias de honras militares, bem ao gosto dos imperialistas, recebeu Putin, no Alasca (15/08).

Conversas reservadas sobre a guerra da Ucrânia. Na sequência (18/06), foi realizado o encontro, na Casa Branca, entre o Presidente Trump, Zelensky, líderes europeus em apoio ao ucraniano. A coreografia e as fotos de praxe revelam inúmeros simbolismos e uma suspeita: o dilema de Zelensky que é ceder territórios para um acordo rápido ou enfrentar a ira de Trump, candidato ao prêmio Nobel da Paz e ser entronizado na galeria de quatro antecessores.

O episódio me lembra a frase de um velho amigo sobre reuniões efusivas e inconclusas: “tudo acertado, nada resolvido”. A conferir.

De relance, me vem à cabeça a caricatura de um rosto em que metade está ornamentada por uma esvoaçante cabeleira loira oxigenada e outra metade mostra cabelos pretos retintos, parte caída sobre a testa, com a ajuda da gomalina, complementada por um inconfundível “bigode de escova de dente”.

A imagem me trouxe um grande desassossego: nesta visão espectral, as mãos sustentavam controles remotos de arsenais nucleares.

Compartilhe

Tags