Como as mudanças climáticas atingem a mente por meio do prato
É consenso científico que as mudanças climáticas são uma realidade cujos efeitos demandam atenção imediata.............................

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A ciência já documenta como o calor extremo, as secas prolongadas e as chuvas violentas afetam o humor, elevam o estresse e nutrem a chamada ansiedade climática ou ecoansiedade: um medo persistente de um futuro ambiental catastrófico. O imaginário sobre a crise climática frequentemente evoca imagens de cidades costeiras submersas ou florestas, ricas em biodiversidade, convertidas em cinzas. Mas não se trata apenas disso!
Em meio aos extensos debates sobre os impactos do clima, um de seus elos perigosos permanece pouco debatido que é a profunda interdependência entre as condições climáticas, a segurança nutricional e a saúde mental, especificamente os transtornos de ansiedade.
Com o aquecimento global, a produção de alimentos pode sofrer perdas tanto em diversidade quanto em qualidade nutricional. Essa redução na variedade resulta em menor acesso a nutrientes essenciais, como zinco, ferro, vitaminas do complexo B e magnésio, que são cruciais para a regulação da função cerebral e de substâncias químicas (neurotransmissores) associadas ao bem-estar. Quando esses nutrientes estão ausentes ou são insuficientes na dieta, o risco de desenvolver sintomas de ansiedade pode aumentar.
Esse cenário é agravado pelo avanço de sistemas alimentares simplificados, que se tornam cada vez mais dependentes de um número cada vez mais restrito de alimentos. Quando certos alimentos, especialmente plantas, tornam-se indisponíveis ou inacessíveis, a dieta torna-se menos diversificada, levando a um consumo maior de uma variedade menor de produtos. Entre estes produtos, destacam-se os ultraprocessados. Os ultraprocessados são produtos industriais que possuem aditivos como corantes, aromatizantes e conservantes, cuja função é intensificar sabor, aroma, cor e durabilidade (exemplos: refrigerantes e embutidos) que, embora mais baratos e duráveis, são nutricionalmente pobres e ricos em substâncias que comprometem a diversidade da microbiota intestinal. Uma alteração nesses microrganismos pode abrir portas para processos inflamatórios e desequilíbrios que impactam diretamente a saúde mental. A ciência já acumulou evidências para sustentar que uma microbiota intestinal saudável possui implicações diretas na manutenção de uma boa saúde mental.
Temos, assim, uma dupla armadilha. A própria ansiedade pode impulsionar o consumo de produtos ultraprocessados em busca de satisfação temporária e melhora momentânea do humor (como os ricos em gorduras e açúcares), ao mesmo tempo que esses mesmos produtos podem contribuir para a manutenção da ansiedade. Assim, surge um ciclo vicioso que promove o desgaste constante da saúde mental e que se somam a outros estressores da vida cotidiana.
Embora esses efeitos possam atingir qualquer pessoa, seu impacto não é distribuído de forma equitativa. Populações historicamente marginalizadas, que já enfrentam insegurança alimentar e possuem acesso limitado a dietas diversificadas e a serviços de saúde, experimentam essa pressão com maior intensidade. A mesma crise que representa uma ameaça universal acaba por acentuar as desigualdades existentes.
Ignorar esta relação é negligenciar uma faceta traiçoeira da crise climática. Políticas públicas que não integrem, de forma coesa, a segurança alimentar, o fortalecimento da agricultura diversa e o acesso universal à comida de qualidade estão condenadas a combater apenas uma parte do problema.
É provável que você não imaginasse, ao iniciar a leitura deste texto, que a crise climática pudesse afetar a sua estabilidade psicológica. Não será suficiente respirar ar limpo e viver em cidades seguras se a população se tornar refém de dietas empobrecidas. O clima está mudando e, se ações decisivas não forem tomadas, nossa lucidez pode mudar com ele, e não para melhor!
Ulysses Paulino de Albuquerque, professor titular da UFPE, membro da Academia Pernambucana de Ciências e Coordenador de produção científica da rede Resiclima (www.resiclima.com).