Preta Gil
Não conheci Preta pessoalmente. Sobre ela só ouvi elogios como compositora, cantora, ativista feminina e guerreira: "Sou mulher, negra e bissexual."

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Tive a honra e o prazer de ser contemporâneo de Gilberto Gil, no Colégio Nossa Senhora das Vitórias, dos irmãos Maristas, no bairro do Canela, em Salvador, na década de 40.
Nosso diretor era um irmão alto, forte, espanhol, vaidoso que seguia à risca o ideal fascista da Ordem: "Deus, Pátria e Família," também praticado pelos outros Irmãos, de maioria alemã e italiana. Lembro do Irmão Luiz, de apelido Brucutu, e do Irmão Casemiro, especialista em matar morcego com tiro de espingarda. Além do terço diário, éramos obrigados a assistir às missas dos domingos.
Gil, único aluno "moreno" era educado, simpático, bom aluno e campeão do jogo de figurinhas, fabricadas e vendidas para colecionarmos jogadores de futebol: "Bateu, levou. À vera, último!" Em 42, o campeão carioca foi o Vasco: "Barqueta, Sampaio e Augusto; Beracochea, Dino e Argemiro; Santo Cristo, Lelé, Isaías, Jair e Chico." Escalação de memória. Não consultem o blog que não sabe nada. Quando Gil esteve no Recife, já um tanto famoso e pela primeira vez, fomos com Jomard Muniz de Britto ver meu saudoso amigo Canhoto da Paraíba, tocar na Choperia Mirante, da mineira Tina, em Olinda. Na ocasião, entre um chopinho gelado e outro, conversamos muito sobre música popular brasileira, principalmente Noel Rosa, Carmen Miranda, Ary Barroso, Dorival Caymmi, Pixinguinha, Ismael Silva, Sinhô e Sylvio Caldas. E concordamos, emocionados, que o maior cantor brasileiro de todos os tempos foi Orlando Silva. Maior do Brasil não, do mundo. E que o chileno Lucho Gatica foi o melhor intérprete de bolero. E saímos leves e de alma lavada. Ele adorou Canhoto, que sempre recusou o convite de Paulinho da Viola para fazer um show no Olympia de Paris. Da segunda vez que veio a Recife, jantamos na casa de Jomard, ele contou sua prisão e o exílio com Caetano na Inglaterra.
Não conheci Preta Gil pessoalmente. Sobre ela só ouvi elogios como compositora, cantora, ativista feminina e guerreira: "Sou mulher, negra e bissexual." Seus velório e enterro acolheram multidões de fãs e admiradores. Somente lembro de enterro de artista popular com tanta gente, no de Chico Alves, o Rei da Voz, que partiu precocemente em consequência de um trágico acidente com seu carro na estrada. Viva Preta Gil, viva esse extraordinário brasileiro chamado Gilberto Gil. Apesar de tudo, o Rio de Janeiro continua lindo.
Arthur Carvalho , da Associação Brasileira de Imprensa - ABI