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Doce ilusão

Como não levo desaforo para casa, resolvi dar o troco no folgado do Coutinho e pergunto se ele, leitor impulsivo e insaciável..............

Por ARTHUR CARVALHO Publicado em 30/07/2025 às 0:00 | Atualizado em 30/07/2025 às 10:19

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No clássico A vizinha do lado, samba de Caymmi lançado em 46, Caymmi diz que a vizinha quando passa com seu vestido grená, todo o mundo grita é boa! "Mas como a vizinha não há", e que o seu vizinho também olha para ela "na mesma doce ilusão."

Lembrei dessa brincadeira de Caymmi hoje, com um e-mail que recebi do meu amigo José Luiz Coutinho, excelente médico, poeta, professor universitário e escritor que, numa doce ilusão quis-me empulhar, perguntando quem eu prefiro, a novelista russa Marina Tsvetaeva ou o fabulista J. R. R. Tolkien, nascido na África do Sul.

Recordei também de Manuel Bandeira, que se considerava mais Carneiro do que Leão. Quando alguém queria confundi-lo com uma pergunta de difícil resposta ele rebatia risonho: "Só respondo se você me explicar o que é a imortalidade da alma."

No seu provocativo e escorregadio e-mail, Coutinho quis dizer que ler Castro Alves e Jorge Amado é fácil, ele quer ver é ler Tsvetaeva e Tolkien. Li e gostei dos dois. Boa parte da obra da notável poeta reflete o grande sofrimento de toda a sua vida atribulada. Quanto a Tolkien, os seus romances estão impregnados de nostalgias do passado, mas possuem uma riqueza madura que falta às hordas de imitadores que constituíram um gênero à parte.

Respondo o e-mail de Coutinho dizendo que não falo mais sobre Tsvetaeva e Tolkien porque estou ocupado tentando escrever um breve ensaio literário sobre Ivo Andric, nascido em Belgrado e Rebecca West, a vaidosa Londrina. E estou lendo Wilfred Owen e Joseph Roth, autores que encontrei recentemente na minha pequena estante, fazendo faxina. Ainda arranjo um tempinho para curtir Louis-Ferdinand Céline, que sobreviveu ao morticínio da Primeira Guerra Mundial, para observar o mundo do pós-Guerra com um olhar intensamente desiludido. Imagine se ele soubesse o que acontece hoje.

Como não levo desaforo para casa, resolvi dar o troco no folgado do Coutinho e pergunto se ele, leitor impulsivo e insaciável, já leu Dashiell Hammett, o pai dos romances de detetives durões e Cummings, que trabalhou como motorista de ambulância na França, na Primeira Guerra Mundial e foi preso acidentalmente.

Ele era um vate lírico e até certo ponto ingênuo, uma beleza. Os seus melhores livros me foram emprestados por Og e ainda não os devolvi. Coisas de brasileiro...

Arthur Carvalho, da  Academia Olindense de Letras - AOL

 

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