Os hormônios incontroláveis da geopolítica no século XXI
Preservar a autonomia estratégica talvez seja o maior desafio das nossas lideranças contemporâneas..........................................

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No próximo dia 22 de julho, o auditório do Estado-Maior do Exército, em Brasília, sediará a 1ª Jornada de Estudos Estratégicos, promovida pelo Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx).
O evento convida à reflexão sobre "O SISTEMA INTERNACIONAL ATUAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O BRASIL" — um tema de inequívoca relevância diante de um cenário mundial em rápida e inquietante transformação.
Recentemente, diversos países, incluindo o Brasil, foram surpreendidos por aumentos tarifários impostos pelos Estados Unidos. O gesto fere de maneira irreversível os parâmetros tradicionais de negociações entre Estados.
Se almejamos ser uma nação atenta às oportunidades e aos riscos que esse e outros possíveis contenciosos revelam, é imprescindível que os enfrentemos com reflexão profunda, desprovidas de ilusões melianas.
Na arena geopolítica contemporânea, não basta opor-se à China para ser automaticamente pró-Ocidente, tampouco opor-se aos Estados Unidos para ser pró-Oriente.
O mundo exige mais do que alinhamentos binários. Requer de nós lucidez estratégica e, sobretudo, coragem para trilhar caminhos de autonomia.
Os hormônios da geopolítica do século XXI, muitas vezes incontroláveis, tensionam e desequilibram as frágeis estruturas do sistema internacional forjado no pós-Segunda Guerra Mundial.
A Jornada de Estudos Estratégicos constitui, portanto, uma oportunidade singular de refletir sem os corrimões doutrinários ou ideológicos que tolhem a liberdade de pensar o Brasil e o Exército.
Desde a sua concepção, a Jornada ecoa as ideias da notável historiadora Bárbara Tuchman. Vivemos em um mundo no qual a "marcha da insensatez" parece acelerar a carruagem do destino rumo a precipícios ainda invisíveis à história.
Até os acontecimentos rotineiros vão assumindo caráter de emergência. Seus condutores, por vezes, já não conseguem empunhar as rédeas para definir una direção segura para a carruagem.
A consciência coletiva, em vez de se forjar na serenidade da reflexão, nasce e morre nas telas luminosas dos smartphones, onde a efemeridade das mensagens se rivaliza com a solidez das ideias bem elaboradas.
Os rituais diplomáticos amadurecidos ao longo dos últimos 70 anos, alicerçados no multilateralismo e na autonomia das nações, esfarelam-se como bolo solado e requentado.
Em seu lugar, ergue-se uma nova e incerta relação de poder. Vemos ressurgir, com inquietante familiaridade, forças que acreditam tão somente no confronto.
O soft power, outrora símbolo de avanço civilizatório e instrumento de mediação entre Estados, cede espaço às manifestações mais cruas do hard power.
A antiga dicotomia Leste-Oeste — ou mesmo Norte-Sul — já não basta para explicar as divergências do presente. Fraturas surgem entre países outrora alinhados, aglutinando novos blocos, antes inconciliáveis, sob base de interesses inesperadamente comuns.
Para o Brasil, potência regional de singular importância, este contexto oferece riscos e oportunidades. Preservar a autonomia estratégica talvez seja o maior desafio das nossas lideranças contemporâneas.
Nossa tradição diplomática de resolução de divergências longe dos conflitos — forjada em décadas de pragmatismo e respeito ao direito internacional — ainda é um ativo valioso.
Em sua trajetória histórica como nação independente, particularmente durante a Guerra Fria, o Brasil demonstrou habilidade ao preservar espaço de manobra entre potências rivais, defendendo seus interesses sem se submeter integralmente a nenhuma delas.
Não devemos abdicar dessa herança!
É necessário, contudo, reconhecer os riscos dessa postura perder eficácia. A crescente dependência tecnológica a que estamos submetidos, as vulnerabilidades das cadeias globais de comércio e as pressões para alinhamentos automáticos impõem ao nosso país uma leitura lúcida e vigilante do cenário global.
Como guardiões incumbidos pela sociedade de empunhar a espada em nome do Estado, cabe-nos - os militares - depurar os cenários prospectivos passíveis de ocorrerem; requerer meios; assessorar e orientar as lideranças do país sobre cursos de ação; além de cobrar dessa mesma sociedade a atenção efetiva para com o tema defesa nacional.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva