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Guararapes: lição de união para tempos de divisão

Nesse dia 19 de abril, em todos os rincões desse imenso Brasil, onde haja uma unidade militar da força terrestre, celebra-se o Dia do Exército.

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 19/04/2025 às 0:00 | Atualizado em 22/04/2025 às 10:09

A data evoca a memória das batalhas dos Guararapes, travadas em Abril de 1648 e Fevereiro de 1649, nas terras de Pernambuco, quando tropas luso-brasileiras enfrentaram e derrotaram forças holandesas que pretendiam escravizar religiosa e economicamente nossa pátria, usurpando suas riquezas — especialmente a cobiçada cana-de-açúcar, que adoçava as mesas europeias.

Mais do que uma vitória militar, Guararapes simboliza a gênese do Exército Brasileiro e, sobretudo, o encontro de três etnias — brancos, negros e índios — por uma causa comum.

Era a união improvável de senhores de engenho, de escravizados e de indígenas em torno de um ideal de liberdade e defesa da terra. É essa união que nós militares exaltamos, ano após ano, não por sua frágil perfeição, mas pelo vigor de seu simbolismo para o nosso país.

É evidente que havia contradições entre eles. Senhores brancos que lideravam os combates ao lado de homens negros que, no cotidiano, eles subjugavam de forma vil. Indígenas que, por interesse ou necessidade, se aliaram a estruturas de poder que muitas vezes lhes eram adversas. A despeito desse contexto, eles abdicaram da discórdia e derrotaram seus poderosos adversários.

Hoje, paradoxalmente, parece mais difícil a grupos tão distintos sentarem-se à mesma mesa. Em tempos de polarização política e ideológica, um Felipe Camarão, um João Fernandes Vieira e um Henrique Dias modernos talvez não conseguissem estabelecer qualquer conversa em uma praça de Casa Forte ou de Jaboatão dos Guararapes. Os ruídos de nosso presente maniqueísta abafariam a fala e a escuta de um e de outro.

As divisões sociais persistem, como persistem os antigos engenhos, os quilombos e as tribos — agora reconfigurados em bolhas digitais quase impermeáveis, que pouco dialogam entre si. As estradas carroçáveis de um projeto nacional comum se estreitaram, transformando-se em caminhos vicinais enlameados e esburacados.

Mas essa constatação não deve nos paralisar. Ao contrário, como velho soldado, acostumado a ver oficiais, praças e recrutas convivendo e cooperando sem filtro de raça, religião ou classe social, eu carrego a certeza de que é possível construir pontes sobre os abismos que nos afastam.

No passado e no presente, a servidão dos militares brasileiros ancora-se na confiança entre camaradas e no compromisso com a missão.

A história daquele "exército amador", forjado no calor da luta e no frio da desigualdade, ainda ecoa nos corações de homens e mulheres que vestem a farda verde-oliva.

As marcas dos cartuchos dos mosquetes e das afiadas baionetas que transpassaram e laceraram a pele daqueles guerreiros, assim como os gestos de bravura impensados, indiferentes se advindo de um branco, de um negro ou de um índio, alimentam o espírito de doação e confirmam o juramento do soldado contemporâneo: cumprir a lei, obedecer aos superiores, respeitar os irmãos de arma e tratar os subordinados com afeição e bondade.

Esses soldados sabem que, unidos na mesma carga - estribo a estribo -, são mais fortes frente a qualquer linha inimiga.

Sabem, também, que nenhum aríete político- ideológico de qualquer denominação terá poder de desviá-los de sua razão maior: servir ao povo brasileiro com lealdade, protegendo-o de antagonismos externos e internos, apoiando seu desenvolvimento e ajudando a mitigar as dores psicossociais.

Caro leitor, ao reverenciarmos a data de 19 de abril, façamos mais do que lembrar um feito heroico. Retomemos como sociedade, fardada e não fardada, o espírito de Guararapes como um chamado à unidade nacional que se encontra sob fogos inimigos intensos e prolongados.

A lição deixada por aqueles combatentes das guerras brasílicas permanece atual: ou nos unimos em torno de uma causa comum, ou entregaremos as nossas terras, nossas riquezas, nossa cultura e nossas tradições a inimigos solertes.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de divisão da Reserva

 

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