Recife: desafios para ser uma cidade de referência global
Transformar o bom desempenho ambiental em progresso social exige um plano estratégico consistente e integrado .........................

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Recife ocupa a 756ª posição no Índice Global de Cidades 2025, elaborado pela Oxford Economics, que avalia as mil maiores cidades do mundo em cinco dimensões: economia, capital humano, qualidade de vida, meio ambiente e governança. Embora esteja distante das primeiras colocações no ranking geral, um dado chama atenção: a capital pernambucana figura entre as quatro melhores do planeta na dimensão ambiental. Essa classificação, no entanto, surpreende — e precisa ser analisada com cautela.
Apesar de possuir programas de monitoramento de riscos, a realidade visível da cidade contrasta com a posição de destaque. Poluição de rios e canais, inundações recorrentes, ocupações precárias em áreas de mangue, favelas em vários bairros e deficiência no saneamento básico são problemas urbanos persistentes. A incoerência entre os indicadores e a vivência cotidiana da população levanta questionamentos sobre os critérios do ranking e, ao mesmo tempo, evidencia a urgência de transformar indicadores em realidades concretas.
O contraste se acentua quando observamos outras dimensões do índice: Recife aparece na 932ª posição em qualidade de vida, na 912ª em economia, 567ª em governança, e 538ª em capital humano. Esses dados revelam uma metrópole marcada por desigualdades profundas, vulnerabilidades sociais e gargalos estruturais que comprometem tanto o bem-estar da população quanto o potencial de desenvolvimento sustentável.
Transformar o bom desempenho ambiental em progresso social exige um plano estratégico consistente e integrado. É necessário universalizar o acesso ao saneamento, requalificar áreas de risco, ampliar a oferta de moradias dignas e enfrentar os desafios das enchentes com infraestrutura resiliente, adaptada à realidade climática da cidade.
A mobilidade urbana é outro gargalo que precisa ser enfrentado com prioridade. O sistema de transporte coletivo sofre com infraestrutura precária, superlotação e baixa eficiência, enquanto o metrô apresenta interrupções constantes e sinais de abandono. A capital segue excessivamente dependente do transporte individual, o que agrava o trânsito e as emissões de CO2. A resposta passa por corredores exclusivos para ônibus com frota confortável, segura, pontual; ampliação e integração de ciclovias; renovação e ampliação do metrô; exploração do transporte fluvial; construção de pontes e viadutos; implantação de semáforos inteligentes; e soluções tecnológicas para integração tarifária e informações em tempo real.
Na segurança pública, Recife registra altos índices de violência, especialmente entre jovens da periferia. O consumo e comércio de drogas cresce assustadoramente nesse público. Para além da repressão, é necessário investir em políticas de prevenção baseadas em cultura de paz, arte, esporte, educação cidadã e mediação de conflitos. Centros comunitários, policiamento de proximidade e programas de inclusão social podem gerar novas perspectivas e romper ciclo vicioso.
A cidade também precisa reforçar pilares fundamentais como educação e saúde. Uma rede escolar conectada ao futuro, que envolva e desperte interesse nos alunos com currículos voltados à ciência, tecnologia, cultura, cidadania global e empreendedorismo, pode preparar melhor as novas gerações. As universidades precisam figurar nos rankings das 500 melhores do mundo. Na saúde, é urgente ampliar a cobertura da atenção primária, digitalizar serviços e integrar políticas sociais, especialmente nas regiões mais vulneráveis.
Do ponto de vista econômico, Recife enfrenta o desafio da informalidade e da desigualdade de oportunidades. Precisa avançar para se consolidar como centro de inovação e criatividade. O ecossistema do Porto Digital é um ativo estratégico reconhecido nacionalmente, mas sua capilaridade social é ainda restrita. Ampliar políticas de inovação inclusiva, incentivar startups, investir na economia criativa, apoiar o empreendedorismo periférico e estabelecer parcerias com universidades e centros de pesquisa são caminhos para gerar emprego de qualidade e desenvolvimento econômico sustentável.
Nada disso será viável sem uma governança qualificada. A cidade precisa de uma gestão pública orientada por dados, ética, participação cidadã e resultados. É fundamental articular um pacto entre os municípios da região metropolitana, com ações integradas de planejamento urbano, infraestrutura e justiça social. Um plano com metas claras, indicadores e mecanismos de monitoramento devem estar disponível à população como instrumento de transparência e corresponsabilidade.
Recife tem uma história marcada por resiliência, criatividade e diversidade. O que falta é um novo pacto urbano que conecte sustentabilidade, inclusão e prosperidade. Não se trata de escolher entre meio ambiente ou economia, infraestrutura ou direitos sociais — trata-se de integrar todas essas dimensões em um modelo de desenvolvimento centrado nas pessoas.
A excelente colocação na dimensão ambiental precisa ser compreendida como ponto de partida, não de chegada. Ser reconhecida como cidade "verde" enquanto enfrenta poluição hídrica e precariedade urbana é um paradoxo inaceitável. Recife pode — e deve — liderar um novo modelo de urbanismo no Brasil, ético, inovador e inclusivo.
Mas isso exigirá compromisso político de longo prazo, cooperação entre as esferas municipal, estadual e federal, escuta ativa das comunidades e ousadia para pensar a cidade de forma integrada. Uma cidade verdadeiramente sustentável não se define apenas por suas árvores ou metas de carbono — mas pela capacidade de garantir dignidade, segurança e boas perspectivas para todos os seus habitantes. É o desafio para Recife ser uma cidade de referência global.
Eduardo Carvalho, autor do livro "Global Changemaker"