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41 anos da Lei de Execução Penal

Esta mesma Lei de Execução Penal desde a sua vigência, foi alterada em completo retrocesso aos ideais proclamados pelos seus idealizadores.

Por Adeildo Nunes Publicado em 10/07/2025 às 0:00 | Atualizado em 10/07/2025 às 11:30

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A primeira lei que tratou de execução penal no Brasil foi o Código de Processo Penal de 1941, cujas regras procedimentais ainda hoje estão em vigor, embora absolutamente defasadas e em desuso. Em 1933 uma Comissão de juristas havia apresentado ao presidente Getúlio Vargas um anteprojeto de lei, visando aprovar um Código Penitenciário, mas o texto foi arquivado, com o advento do golpe militar-civil de 1937. Em 1963 uma nova Comissão formada por Roberto Lyra e Oscar Stevenson, encaminhou ao presidente João Goulart um novo anteprojeto de lei, buscando entregar ao país um Código de Execuções Penais, que viu-se desmoronado pelo golpe militar de 1964. O Congresso Nacional, em 1957, veio a aprovar a Lei nº 3.274, concedendo aos presos o direito de filiação à previdência social, que ficou só no papel, pois o texto, para tanto, exigia uma contribuição mensal por parte dos detentos, uma imposição impossível de ser realizada.

Em 1970 o professor José Carlos Moreira Alves encaminhou ao então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, um novo anteprojeto para a aprovação de um Código das Execuções Penais, que revisto posteriormente pelos juristas Benjamim Moraes Filho, José Frederico Marques, Salgado Martins e Everardo Luna e, após um relatório apresentado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, em 1975, que desvendou as nuances do sistema carcerário brasileiro e, por fim, depois de longos anos de debates e audiências públicas no Congresso Nacional, finalmente o texto transformou-se na Lei Federal nº 7.210, publicada em 11.07.1984, a atual Lei de Execução Penal, que entrou em vigor em 11.01.1985.

A grande inovação provocada pelo texto original da LEP, sem dúvidas, foi a introdução da jurisdicionalização da execução penal e das medidas de segurança, que passaram a ser realizadas no âmbito do devido processo legal, conduzido por um juiz, enquanto a administração das prisões foi entregue ao Poder Executivo Federal e Estadual. A obrigação de o Estado e da sociedade no sentido de reintegrar o apenado ao convívio social após o cumprimento da sanção penal - um princípio universal invocado pela Revolução Francesa (1789) - foi outra grande novidade introduzida pela LEP, infelizmente até hoje despercebida e nominada equivocadamente por ressocialização, quando se sabe que a prisão "dessocializa", pois ela é a responsável primeira pela reincidência criminal e pelo aumento da criminalidade.

Longe de ser uma regra jurídica codificada - que seria o ideal - a nova Lei de Execução Penal, contudo, foi um marco na história legislativa brasileira, nomeadamente porque, de forma inusitada, a LEP regulamentou todas as suas finalidades, os direitos e deveres do preso, definindo os órgãos responsáveis pela sua execução, os estabelecimentos prisionais, a execução das medidas de segurança, os incidentes e procedimentos judiciais, oferecendo aos operadores do Direito um conjunto de princípios e regras que passaram a nortear o cumprimento das sanções penais e das medidas de segurança aplicadas aos doentes mentais que violem a lei penal.

Depois da sua vigência, a Lei de Execução Penal, porém, vem sofrendo constantes mudanças legislativas importantes, como, por exemplo, a criação do banco de dados do perfil genético do preso e o regime disciplinar diferenciado (Lei nº 10.792/2006), direitos da mulher encarcerada (Lei nº 11.942/2009), monitorização eletrônica (Lei nº 12.258/2010), o ingresso das Defensorias Públicas como órgãos de execução penal (Lei nº 12.313/2010), atestado de pena (Lei nº 10.713/2013), remição da pena pelo estudo (Lei nº 12.433/2011) educação nas prisões (Lei 13.163/2015), separação de presos (Lei nº 13.167/2015), terceirização dos presídios (Lei nº 13.190/2015) e a progressão de regime para mulheres gestantes (Lei nº 13.769/2018).

Esta mesma Lei de Execução Penal, por inúmeras vezes, desde a sua vigência, foi alterada em completo retrocesso aos ideais proclamados pelos seus idealizadores e pela humanização da pena, como foi o caso da Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime), que entrou em vigor em 23.01.2020, quando a progressão de regime praticamente passou a ser um direito de poucos condenados e o regime disciplinar diferenciado tornou-se sinônimo de castigo físico e mental e de prisão perpétua, dentre outras ofensas à dignidade humana. Porém, com a Lei nº 14.843/2024, o erro legislativo restou mais agravado, com o fim das saídas temporárias e com o retorno do exame criminológico, como requisito para a progressão de regime.

Nesses 41 anos da LEP, é hora de aprovar um Código de Execução Penal e outro de Processo de Execução, pois a nossa Lei de Execução Penal não mais atende as reais necessidades que se apresentam. Se em 1984, quando a LEP foi aprovada, existia cerca de 78 mil presos no Brasil, hoje já são mais de 800 mil. Os operadores da Execução Penal, de há muto, exigem regras materiais e processuais condizentes com a realidade carcerária do país. Cadê o Congresso Nacional?

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, membro efetivo do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP), professor e autor de livros jurídicos

 

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