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Adriana de Andrade Vasconcelos: "Eu mesmo me ensinei!"

O Nordeste é, sem dúvida, a região mais rica do Brasil em arte popular. Nossos artistas são autodidatas — o que eles fazem, faculdade nenhuma ensina

Por Adriana de Andrade Vasconcelos Publicado em 09/07/2025 às 7:00

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A Fenearte foi criada há 25 anos pelo então governador Jarbas Vasconcelos, grande fã e colecionador de arte popular. A feira nasceu com o propósito de aproximar o artesão do comprador final, permitindo que esses artistas pudessem vender suas obras por um valor justo. Ou seja, pelo preço que o seu trabalho merecesse e sem intermediários.

E isso porque, como o próprio nome diz, artesanato é sinônimo de criação única e fruto de trabalho manual intenso. Sem industrialização ou linha de montagem. Muitas vezes o artesão passa semanas - ou até meses - se dedicando à conclusão de uma única peça.

Além disso, pode-se dizer, sem medo de errar, que toda peça de artesanato esconde anos de aprendizado. Uma frase que nunca esqueci surgiu espontaneamente quando conversava com alguns artesãos sobre como e onde tinham aprendido sua arte. Com muita simplicidade e uma ponta de orgulho, um deles cravou: "Ninguém me ensinou não; eu mesmo me ensinei!".

E foi assim, ensinando-se e compartilhando com filhos, sobrinhos e netos, que muitos deles garantiram a continuidade do seu ofício. Essa cadeia de transmissão - oral, prática, silenciosa e sobretudo generosa - fez com que o talento ganhasse novas mãos e novas gerações. Não foi apenas um ou outro que conseguiu esse feito: vem sendo assim há gerações e gerações.

Mas como garantir que essa herança continue viva? Como impedir que artesãos deixem de passar adiante a sua arte por falta de oportunidades? A arte popular precisa se perpetuar. E, para isso, obstáculos burocráticos - como as dificuldades para preencher os formulários de inscrição da própria Fenearte e a impossibilidade de usar um smartphone para tanto, por exemplo - precisam ser eliminados. Não podemos deixar de fora grandes mestres simplesmente por um erro formal de inscrição.

Mais do que admirar o artesanato, é necessário incentivo real ao artesão. Políticas públicas que desburocratizem os editais, oficinas de capacitação digital para os artesãos aprenderem a empreender e vender suas obras online, criação de espaços públicos permanentes para exposição e comercialização são alguns dos caminhos possíveis, bem como oferta de microcrédito acessível e programas de reconhecimento aos Mestres da Cultura Popular. Não basta celebrar o talento; é preciso sustentá-lo com ferramentas, estrutura e respeito.

Pernambuco carrega uma riqueza imensurável na arte popular, reconhecida não apenas em todo o Brasil, mas também em diversos outros países. Os nossos artesãos precisam ser mais valorizados e reconhecidos. De um simples graveto nasce um São Francisco; de um punhado de barro retirado do quintal surge um vaqueiro sertanejo. É um encanto sem igual!

A arte com reciclagem, então, é de impressionar qualquer um. E quando você adquire uma peça e, depois de uma visita ao ateliê do artesão, descobre que ali tem embalagem de desodorante, de produto de limpeza… A peça passa, sem dúvida alguma, a ser ainda mais admirada. É a beleza que nasce do inesperado, da reinvenção. O verdadeiro design sustentável!

O Nordeste é, sem dúvida, a região mais rica do Brasil em arte popular. Nossos artistas são autodidatas — o que eles fazem, faculdade nenhuma ensina. Como bem disse Ferreira Gullar: “A arte é uma coisa imprevisível, é descoberta, é uma invenção da vida… A arte existe porque a vida não basta”.

Nosso artesanato nos traz alegria, afeto e identidade. Às vezes, a gente já acha a peça linda só de ver uma foto. Mas, ao vivo... Não tenho nem palavras para descrever a felicidade que é ver esses trabalhos espalhados na minha casa. Posso passar dias admirando cada um deles, revivendo histórias e gestos, cores e texturas. Como disse certa vez Carlos Trevi: “sabemos que uma coleção vive um ciclo peculiar. Primeiro somos donos dos objetos e, depois, a ordem se inverte: eles é que passam a ser donos da nossa vida”.

Para muitos, artesanato é apenas peça de decoração. Mas essas obras carregam muito mais do que beleza: são testemunhos vivos da criatividade, da identidade cultural e, sobretudo, da resiliência de quem as produz. Cada peça guarda uma história não apenas do objeto em si, mas da trajetória do próprio artesão.

É de emocionar quando acompanhamos, por fotos ou vídeos, o passo a passo da criação. Ver a transformação de um tronco bruto em personagens ricamente retratados. Por isso, antes de barganhar o preço de um trabalho artesanal, pergunte ao artista quanto tempo foi dedicado a ele. Pergunte de onde vem tanta inspiração.

Alguns artesãos dizem que vem de Deus. E eu acredito neles.


Adriana de Andrade Vasconcelos, Advogada e entusiasta da arte popular

 

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