Municípios de Pernambuco: o elo esquecido no combate à violência
Chegou a hora de parar de "enxugar gelo" e apostar na prevenção, na integração e no fortalecimento do papel dos municípios na segurança pública.

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A crise de segurança pública em Pernambuco voltou ao centro do debate após um diagnóstico inédito do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) revelar um cenário alarmante: mais de 90% dos municípios pernambucanos não possuem sequer um plano básico de segurança pública e tampouco realizam diagnóstico da situação local. Em um estado que figura entre os líderes nacionais em mortes violentas, a ausência de planejamento e de políticas municipais se mostra um dos principais gargalos para o enfrentamento da violência.
O levantamento do TCE-PE aponta que 97% dos municípios não realizam diagnóstico da segurança local e 92% não possuem Plano Municipal de Segurança Pública, contrariando a Lei nº 13.675/2018, que institui a Política Nacional de Segurança Pública e o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Sem diagnóstico, não há como identificar causas centrais da violência nem formular políticas eficazes de prevenção e combate ao crime. Recife, a capital, é a única cidade que se teve classificação aprimorada entre as 184 analisadas, mas ainda assim confessou não possuir diagnóstico da segurança local. Entre janeiro e maio deste ano, Recife concentrou 18,52% das mortes violentas do estado, segundo a Secretaria de Defesa Social. A taxa de Recife por 100 mil chega a 15,87, enquanto a média de Pernambuco chega a 14,24. O Índice de Gestão Municipal de Segurança Pública - IGMSeg desenvolvido pelo TCE, mostra que Recife teve uma pontuação de 34. Mesmo com um situação aprimorada, a capital está longe da pontuação 44.
É nos municípios que os problemas criminais surgem e se desenvolvem, antes de evoluírem para estruturas mais complexas. A proximidade territorial permite que as prefeituras detectem os primeiros sinais de deterioração social e criminal, possibilitando uma atuação preventiva mais assertiva. Os municípios podem identificar os atores envolvidos em situações de violência e intervir antes que pequenos delitos se transformem em crimes organizados. Além disso, são os entes federativos mais próximos da população, com potencial para disputar com o crime organizado a atenção dos jovens, oferecendo oportunidades e sonhos em vez de caminhos para a criminalidade.
Grande parte dos fatores que alimentam a insegurança está relacionada à qualidade de vida nos centros urbanos: falta de oportunidades, deficiência educacional, problemas de infraestrutura e ausência de equipamentos sociais. Ao atuar nessas causas estruturais, os municípios podem interromper o ciclo que leva jovens ao envolvimento com o crime. Guardas municipais, por exemplo, desempenham papel fundamental no policiamento comunitário, funcionando como elo entre o Estado e a comunidade. Sua presença ostensiva em praças, escolas e parques contribui para a prevenção de crimes e para o fortalecimento do tecido social.
Apesar da importância do papel municipal, muitos problemas de segurança extrapolam a competência das prefeituras, exigindo cooperação entre diferentes esferas de governo e a sociedade civil. Sem convergência política entre prefeitos e governadores, o esforço local tende a ser em vão. É indispensável a articulação entre Municípios, Estados, União, Ministério Público e Judiciário para garantir políticas integradas e eficazes.
A crise de segurança pública em Pernambuco só será superada quando os municípios assumirem de fato seu papel estratégico na prevenção e enfrentamento da violência. É urgente que cada cidade elabore seu diagnóstico local, desenvolva políticas, sistemas e planos municipais de segurança, e implemente ações multissetoriais que ataquem as raízes do problema. O governo do estado deve criar mecanismos de integração com os municípios, incluindo um departamento específico na Secretaria de Defesa Social para articular ações conjuntas. Apenas assim será possível romper o ciclo vicioso em que pequenos crimes locais alimentam estruturas criminosas maiores, garantindo mais segurança e qualidade de vida para a população.
Chegou a hora de parar de "enxugar gelo" e apostar na prevenção, na integração e no fortalecimento do papel dos municípios na segurança pública. A sociedade precisa cobrar essa mudança e participar ativamente da construção de cidades mais seguras e humanas.
Armando Nascimento, pesquisador do LABGRC-CCSA - LACAI-CAC e NICC/UFPE