Otávio Santana do Rêgo Barros: A Pedra e o Carisma
Segundo Datafolha (Junho 2025), as Forças Armadas apresentaram índices de confiança notadamente superiores aos de outras instituições avaliadas

No último domingo, a Igreja Católica celebrou São Pedro e São Paulo. Na comunidade que frequento, o padre abordou, com notável lucidez e respaldo histórico, o papel desses dois pilares da fé cristã, conduzindo-nos pelos episódios mais marcantes de suas trajetórias.
A Pedro foi atribuído o papel de guardião institucional da Igreja; a Paulo, o de pastor portador dos carismas, zelador dos dons.
O sacerdote concluiu sua prédica com uma reflexão instigante: a fortaleza da Igreja, simbolizada pela "pedra", reside no carisma vivido por seus seguidores; e o "carisma", enquanto dom, adquire solidez ao ser sustentado por essa mesma "pedra".
Caros leitores, não pretendo soar leviano ao traçar uma analogia entre essa mensagem espiritual e a Instituição que me acolheu ainda menino, me formou como profissional e segue, até hoje, sendo motivo de legítimo orgulho para a sociedade brasileira: o Exército. Mas proponho uma reflexão.
A estrutura organizacional do Exército pode ser compreendida como a "pedra": suas organizações militares, seu material bélico, sua gestão administrativa e sua articulação operacional.
Já os recursos humanos representam os "carismas": a ética que orienta valores e tradições inquestionáveis, a cooperação voltada ao bem comum e a disposição permanente para o sacrifício em defesa dos interesses nacionais.
Ao longo do tempo, tanto a "pedra" quanto o "carisma" moldaram a imagem da Força Terrestre perante a sociedade. Hoje, apesar dos desafios enfrentados, a Instituição permanece reconhecida e confiável pela maioria da opinião pública.
Segundo a mais recente Pesquisa do Datafolha (Junho 2025), as Forças Armadas apresentaram índices de confiança notadamente superiores aos de outras instituições avaliadas.
Arrisco afirmar que esse desempenho poderia ser ainda mais expressivo, não fossem alguns de seus quadros tragados pelas disputas político-partidárias dos últimos anos. Diversos grupos, de diferentes matizes ideológicos, tentaram capitalizar eleitoralmente a imagem de respeito construída pela Instituição ao longo do tempo.
Chamou-me a atenção, porém, o dado sobre a confiança dos mais jovens na "pedra" e no "carisma" das Forças Armadas. A chamada geração Z — pessoas de 16 a 24 anos, nativos digitais — revelou um grau de orgulho pela Instituição de 65%, superando até os 61% registrados quando a pergunta se referia ao povo brasileiro.
A que se deve essa postura?
Talvez esses jovens tenham desenvolvido uma espécie de "autoimunidade" contra as influências digitais do cotidiano, sendo capazes de enxergar além das bolhas que obscurecem o esforço silencioso e contínuo realizado pela "pedra" e pelo "carisma".
Ou talvez tenham compreendido que os valores tradicionais que moldam a conduta dos homens e mulheres de farda ainda são essenciais na formação do caráter — e que chegou a hora de resgatá-los como boas práticas de vida.
Se buscamos entender o apelo positivo entre os mais jovens, como explicar, por outro lado, a resistência observada entre os mais velhos?
Curiosamente, segundo o mesmo levantamento, a faixa etária acima dos 60 anos foi a mais crítica às Forças Armadas.
Meu palpite: ao se manterem criteriosamente afastadas das disputas políticas, as Forças Armadas frustraram parte dessa geração, que as via como uma tábua de salvação para a crise institucional. A decepção, afinal, é filha da expectativa não correspondida.
Talvez, ainda, essa faixa etária tenha sido tragada por este novo mundo PSIC — precipitado, superficial, imediatista e conturbado — sem as ferramentas necessárias para lidar com os riscos das narrativas fragmentadas, tornando-se vulnerável aos manipuladores de todas as colorações.
Como corolário, vale lembrar que, durante muitos anos, após a transição do regime militar para a democracia plena, as Forças Armadas adotaram o papel de "grande mudo".
Esse silêncio estratégico permitiu-lhes reposicionar-se como a Instituição mais confiável do país. Hoje, no entanto, a ausência de comunicação tornou-se um risco grave para qualquer organização.
A geração Z parece apontar os caminhos para comunicar e preservar a imagem das Forças Armadas: cultivar o pensamento crítico, filtrar com serenidade o que se consome nas mídias digitais, livrar-se dos antolhos da convicção irrevogável e desenvolver o diálogo honesto e construtivo.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva