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Alguns poetas de São José do Egito (1)

A cidade sertaneja, hoje consagrada como o recanto poético do mundo, foi emancipada, somente, no ano de 1909 ...........................

Por Adeildo Nunes Publicado em 03/07/2025 às 0:00 | Atualizado em 04/07/2025 às 9:04

Ninguém tem dúvidas de que São José do Egito, cidade encravada nas cabeceiras do Rio Pajeú, no alto sertão de Pernambuco, de há muito tornou-se um celeiro da poesia popular brasileira, particularmente no tocante aos seus cantadores de viola de ontem e de hoje, poetas repentistas que com amparo na viola representam a mais sublime de todas as culturas populares, vates que assopram versos improvisados que encantam a alma e a sofreguidão de um povo marcado pela seca que costuma assolar suas raízes, gente sofrida que encontra nos versos dos seus cantadores uma das fontes da vida e da esperança em melhores dias.

A cidade sertaneja, hoje consagrada como o recanto poético do mundo, foi emancipada, somente, no ano de 1909, recebendo inicialmente o nome de São José das Queimadas, depois São José da Ingazeira e, finalmente, em homenagem ao seu padroeiro, passou a ser denominada de São José do Egito, que no dizer de Neném Patriota "quem não é poeta é louco e quem é louco faz poesia".

Não é possível, neste espaço, mencionar todos os poetas e poetizas do seu presente e do passado, mas alguns deles merecem ser lembrados e enaltecidos, porque fizeram e fazem parte da história de um lugar em que Deus abençoou e jorrou as suas mãos em homenagem à sabedoria poética que sempre brotou naquele pedaço do sertão, onde o dom da poesia amanhece e enoitece às margens do Rio Pajeú.

Antônio Marinho do Nascimento (1887/1940), o príncipe dos cantadores, o Faraó da Poesia, versejando sobre o passado, disse:

Quem jamais esquecerá

Quem deixará de dar fé

Tudo que foi e não é

Tudo que houve e não há

Tudo que esteve não tá

Tudo que deu-se não dá-se

Por mais que na vida cace

É sempre um ente infeliz

Quando queixoso se diz

Ah se o passado voltasse

João Campos Filho (1911/1998), um humilde agricultor, quando a torre da igreja de São José veio abaixo (1977), proclamou:

Foi a dois do mês de maio

Às sete horas do dia

Que a torre deu um desmaio

Quando o seu corpo caía

Mas isso tudo passou

O povo se conformou

Resta a saudade no peito

Agora é o povo agir

Que se Jesus consentir

Faz outra do mesmo jeito

João Batista de Siqueira, Cancão (1912/1982), Oficial de Justiça, um fenômeno da poesia popular, exaltando dois coqueiros que plantara no seu sítio, devassados pela chuva, versejou:

Em certos dias marcados

Choveu torrencialmente

E foram os dois abraçados

Por poderosa corrente

Um rodava outro pendia

A água se remexia

Numa fúria de dragão

O mais fraco já vencido

Num arrojo desmedido

Caiu sem ter salvação

Lourival Batista Patriota, o Louro do Pajeú, o rei dos trocadilhos, tratando da vida do idoso, improvisou:

O homem na mocidade

Com duas pernas se arruma

Mas depois que fica velho

Em tudo se desapruma

De duas passa pra três

E as três não valem nenhuma

Na próxima semana tem mais.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, professor da pós-graduação em Ciências Criminais do Instituto dos Magistrados do Nordeste, membro efetivo do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP), autor de livros jurídicos e de poesias

 

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