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Trump, Harvard e a relação entre democracia e liberdade acadêmica

No centro da disputa entre Donald Trump e as universidades dos Estados Unidos está a agenda política do então presidente norte-americano.

Por ALAN CAVALCANTI Publicado em 02/07/2025 às 0:00 | Atualizado em 02/07/2025 às 10:41

“Harvard precisa se comportar.” No fim de maio, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elevou o tom do conflito com a prestigiosa universidade de Harvard ao anunciar o congelamento de bilhões de dólares em subsídios e contratos. No início de junho, outra medida veio à tona: dessa vez, o presidente publicou uma ordem executiva proibindo a instituição de admitir estudantes estrangeiros — decisão posteriormente barrada pela Justiça

Quase um mês depois, em 30 de junho, o jornal The Wall Street Journal divulgou uma reportagem com os resultados de uma investigação interna do governo Trump, que concluiu que a universidade havia “violado os direitos civis dos estudantes” e ameaçava cortar integralmente os repasses federais destinados à instituição. Ainda no meio de junho, Robert Quinn, diretor da organização Scholars At Risk, que monitora violações à liberdade acadêmica ao redor do mundo, anunciou em entrevista ao britânico The Guardian: “Não há como investir em uma carreira aqui”.
No centro da disputa entre Donald Trump e as universidades dos Estados Unidos está a agenda política do então presidente norte-americano. De um lado, Trump buscava implementar uma política de repressão à imigração. De outro, universidades americanas — muitas delas privadas, como Harvard, e historicamente centros cosmopolitas — defendiam-se alegando que não deviam satisfações ao governo federal. A conjuntura resultante da eleição de 2024 potencializou tanto o comportamento do presidente quanto o embate com o meio acadêmico.

Naquela eleição, Trump prometera transformações ainda mais radicais do que aquelas anunciadas em sua primeira vitória, em 2016. Eleito pelo colégio eleitoral, com vitória também no voto popular e maioria nas duas casas do Congresso, o presidente passou a ter incentivos ainda mais fortes para implementar sua agenda de forma agressiva. O debate atual na Ciência Política internacional não gira mais em torno da existência ou não de um dano à democracia provocado por seu governo, mas sim da tentativa de mensurar a profundidade desse dano.
O confronto com as universidades, no entanto, pode ser bem resumido pelas palavras do cientista político Steven Levitsky, professor de Harvard e autor do best-seller “Como as democracias morrem”. Em um painel recente, Levitsky afirmou: “Universidades são invariavelmente centros de dissidência. São centros de dissidência culturalmente influentes. Autoritários de todas as matizes não gostam de centros de dissidência independentes e culturalmente influentes. Pelo menos no século XXI, é difícil pensar, em meio a tantos governos autoritários, em algum que não tenha atacado as universidades.” A fala de Levitsky dá a chave para a discussão: liberdade acadêmica e democracia caminham lado a lado. A disputa entre Trump e Harvard se insere nesse contexto.
O Brasil não foge à regra. A relação entre liberdade acadêmica e democracia se evidencia na história: um dos momentos de maior repressão à academia ocorreu durante o AI-5. Nas palavras do jornalista Elio Gaspari, “em abril de 1969, expurgaram-se 65 professores”. Entre eles estava Caio Prado Júnior, autor de Formação do Brasil Contemporâneo, uma das interpretações históricas mais influentes do país no século XX. Caio passou 525 dias na prisão, acusado de “incitação subversiva”.
A importância da liberdade acadêmica para a construção de sociedades plurais, democráticas e desenvolvidas é amplamente reconhecida. Jonathan Cole, renomado sociólogo da Universidade de Columbia, argumenta que a liberdade acadêmica é um dos sintomas mais claros de uma sociedade democraticamente avançada. Outros estudiosos vão além ao discutir os efeitos das liberdades fundamentais: pesquisadores como o economista Daron Acemoglu e o cientista político James Robinson — laureados com o Prêmio Nobel de Economia em 2024 — atribuem um papel central à inovação, frequentemente originada nas universidades, para explicar o sucesso no desenvolvimento das nações. Seu argumento é de que instituições políticas mais inclusivas — como as encontradas em democracias — permitem a existência de liberdades fundamentais e fomentam a inovação, que, por sua vez, é combatida em regimes com instituições extrativistas, retardando o progresso.
Utilizando dados do V-Dem, instituto que produz indicadores sistemáticos sobre regimes políticos, é possível observar uma relação íntima entre liberdade acadêmica e democracia no período de 2000 a 2024. As variações dessas duas variáveis são altamente correlacionadas: salvo poucas exceções, países que regrediram democraticamente também apresentaram retrocessos na liberdade acadêmica. O inverso também se verifica: nações que avançaram em indicadores de democracia ao longo do período também avançaram na garantia da liberdade acadêmica.

Alan Cavalcanti, mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco

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