O permanente desafio da questão fiscal
Não temos ilusões, mas se nada for feito o Presidente a ser eleito em 2026 terá monumentais dificuldades para estabilizar o país e governar.

Por muitos anos a questão fiscal mantém a sua sombra sobre a macroeconomia brasileira. Há décadas as despesas primárias vêm crescendo acima da inflação. Os resultados são inescapáveis: dificuldades de controlar a inflação e mantê-la no centro da meta ou, pelo menos, nos intervalos definidos pelo regime de metas do Banco Central; alta e crescente dívida pública que se manifesta em elevada relação Dívida/PIB e crescente conta de juros que contribui para elevar o déficit nominal do país. Tentou-se criar controles, como o teto de despesas estabelecido no Governo Temer, após o descontrole fiscal e a consequente crise econômica e política de 2015-2016. Temos agora o arcabouço fiscal deste terceiro governo de Lula da Silva que com muita resistência interna e relutante aprovação do Congresso segue avançando com muitas dificuldades para cumprir as metas estabelecidas. O Governo tenta agora submeter ao Congresso Nacional com dificuladades, proposta para elevar a arrecadação com base no IOF, um imposto regulatório
Ao longo dos anos as despesas incompressíveis, obrigatórias, crescem inexoravelmente às expensas daquelas sobre as quais o governo tem algum arbítrio como o custeio e os investimentos públicos. Esta fatia do orçamento ficou ainda menor com a expansão das emendas parlamentares, mecanismo pelo qual o Congresso Nacional apropriou-se de forma ostensiva de parte do orçamento público federal, mal exemplo que está agora sendo seguido também pelos parlamentos estaduais.
Contribui para esta situação a vinculação e indexação dos gastos públicos. O primeiro com relação à educação e a saúde, o segundo ao transformar o salário-mínimo, piso básico do mercado de trabalho e um dos três preços macroeconômicos mais importantes junto com os juros e a taxa de câmbio, em indexador dos gastos públicos, especialmente as despesas previdenciárias e de assistência social que junto com os salários e as transferências para os outros poderes constituem-se em fração significativa das despesas primárias obrigatórias. Há, ainda, as elevadas despesas tributárias que são, de fato, subsídios ao setor produtivo. Alguns deles se justificam , outros não. São despesas anuais da ordem de R$ 544 bilhões que contemplam, por exemplo, a Zona Franca de Manaus.
A principal fonte dos recursos é o Tesouro Nacional mas os outros poderes não levam esse fato em consideração. O legislativo e o judiciário são caros e eivados de benesses e penduricalhos que inflacionam os rendimentos dos seus membros e servidores em processos questionáveis de autodeterminação. As carreiras de estado no executivo não ficam atrás. Todavia, a base do funcionalismo tem salários absolutos e relativos baixos, evidenciando uma alta desigualdade de rendimentos dentro do setor público federal, fenômeno que se repete nos estados. A solução é conhecida, mas contraria objetivos e interesses poderosos, ideológicos ou não, dentro e fora dos partidos, especialmente o PT, setores empresariais e sindicais, e grupos diversos que não querem abrir mão de recursos e de rendimentos.
Desvincular e desindexar os gastos primários previdenciários e sociais é uma importante medida. O salário-mínimo deveria ser corrigido apenas pela inflação e não pelo crescimento do PIB e as vinculações eliminadas. As politicas públicas precisam se constantemente monitoradas para melhorar sua eficiência e efetividade, reduzindo seu volume e melhorando sua qualidade. O abono salarial, sem foco para os mais obres, pode ser eliminado e programas sociais como o BPC e o bolsa-família requerem contante monitoramento para que alcancem seus objetivos de proteger os mais vulneráveis, melhorando sua focalização. A reforma previdenciária precisa ser revista e aperfeiçoada, os gastos tributários necessitam ser seletivamente reavaliados e uma profunda reforma administrativa é urgente não apenas para reduzir gastos, mas para elevar a produtividade do serviço público. São desafios gigantes que trazem perdas para grupos de interesse, mas são relevantes para os supremos objetivos de criar a estabilidade macroeconômica, fiscal e monetária, essenciais para fortalecer os fundamentos para o desenvolvimento econômico e social do país nos médio e longo prazos. Há hoje uma enorme dissociação entre a política monetária restritiva e uma política fiscal expansionista que traz disfuncionalidades à economia.
As perspectivas, se nada disso for feito, para os próximos anos é sombria: inflação, juros altos, moeda desvalorizada, estrangulamento fiscal e incertezas pairam no ar, comprometendo os investimentos públicos e privados que se constituem no principal motor do desenvolvimento econômico e social ao aumentarem a capacidade da economia de gerar mais emprego e renda.
Tudo isso é mais difícil em período pré-eleitoral. Não temos ilusões, mas se nada for feito o Presidente a ser eleito em 2026 terá monumentais dificuldades para estabilizar o país e governar, seja ele à direita ou à esquerda do espectro político-ideológico.
Jorge Jatobá, doutor em economia, professor Titular da UFPE, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco, presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE, sócio da CEPLAN- Consultoria Econômica e Planejamento