opinião | Notícia

Ai dos professores!

Houve uma época em que os professores representaram uma "ponte" cultural, ligando gerações, atando passado e futuro, espaço privado e esfera pública.

Por FLÁVIO BRAYNER Publicado em 17/06/2025 às 0:00 | Atualizado em 17/06/2025 às 10:18

Como professor há cinquenta anos e como diretor que fui de um centro de formação de profissionais que, em geral, serão recrutados pelas redes públicas, não poderia deixar de prestar minha solidariedade, mesmo que tardia, aos educadores da Rede Municipal do Recife na sua luta para terem um mínimo de reconhecimento profissional e social.

Não baterei nas teclas das condições de trabalho, dos salários humilhantes, do declínio da dignidade profissional: nossos governantes sabem das consequências sociais e culturais deste descaso histórico, estão conscientes de que este descompromisso atinge, sobretudo, os desvalidos sociais e eu, pessoalmente, sei que eles não têm a menor ideia do que fazer para resolver o problema e ficam completamente dependentes da ousada charlatanice de empresas que, de olhos injetados para o dinheiro público, oferecem "pacotes" milagrosos que elevarão os índices escolares na próxima avaliação. Aliás, ao fazerem isto -"terceirizarem" a educação pública- depositam um voto de desconfiança em nossos profissionais concursados, obrigando a sociedade a pagar duas vezes pelo mesmo serviço. Não é difícil perceber que nossos professores estão exauridos: quase que não resta, para lembrar Mário de Andrade, mais nenhuma "gota de sangue em cada aula" (Maria Luiza Maciel revela em sua tese de doutorado [UFPE] que, um dos fatores que causa estresse e queda de rendimento, são... as próprias avaliações oficiais e suas exigências meritocráticas e hierarquizantes!).

Um pouco de história talvez ajude a entender este descaso dos "gestores" (na verdade, de nossas elites) e a tomar consciência de que eles não farão nada, quer dizer, nada além do que possa dar "resultados" imediatos e índices que os promovam.

Nossas elites (no início da República) não acreditavam que o Brasil pudesse se tornar "civilizado" devido à presença negra em nossa demografia. A "ciência" racialista afirmava que cada raça tinha certas disposições intelectuais e cognitivas ("Diga-me onde está o Proust africano?!", disse um racialista francês), assim oferecer escola republicana para os pobres (de maioria negra) era perda de tempo e dinheiro: eles jamais alcançariam os níveis requeridos pela educação científica. Se na França a escola republicana formou um conceito (político) de "povo" que assegurava a construção da Nação, entre nós a ausência de "povo" (tínhamos uma mistura de incultura com infra-humanidade) fez com que a escola republicana de qualidade fosse reservada para as elites! Foi apenas quando nossos intelectuais começaram a se preocupar com identidade e com projeto nacional (a partir da "cultura popular", entre os anos 30 e 60), que a educação do povo ganhou sentido (e o golpe de 64 desfez).

Hoje, nós não temos mais "projeto nacional": o único projeto é participar do mercado mundial em condições competitivas e, como a cidadania já não é a expressão de opções esclarecidas e conscientes, resta à educação dos pobres a profissionalização técnica elementar (Pronatec) e os cursos superiores aligeirados que fazem a festa dos empresários da educação superior (Prouni). Mas a vergonha de nossas elites continua: nosso "povo" é responsável pelos piores índices do PISA!

Houve uma época em que os professores representaram uma "ponte" cultural, ligando gerações, atando passado e futuro, espaço privado e esfera pública. Num mundo de utopias esvaziadas e de tradições esquecidas, restou este "presente contínuo" (nosso "Socialismo de resultados") que condena a educação a imediatez, força nossos professores a rodar em círculos numa profissão cujo sentido também foi esvaziado e, assim, nossos gestores tendem a ver os professores como coisa do passado, perfeitamente substituíveis por tecnologias, pacotes educacionais e planejamentos estratégicos centralizados. E, no final, acusá-los pelo nosso atraso escolar!

Flávio Brayner, professor Emérito da UFPE e Visitante da UFRPE.

 

Compartilhe

Tags